A Esmola de Derbi
Morávamos numa cidadezinha do interior de São Paulo, cujos habitantes, em sua grande maioria, eram Católicos Apostólicos Romanos e dados a fazerem promessas aos mais diversos santos e pelas mais diversas causas.
Dona Carmen, uma espanhola sempre alegre e bem disposta, era uma delas.
Tinha feito uma promessa, não sei bem pra quê, de armar um presépio todo ano na época do Natal.
Lembro-me, especialmente, de uma ocasião quando ela chamou sua filha Neli e a mim e disse:
- Tenho que cumprir uma promessa que fiz e preciso que vocês me ajudem.
- Ajudar? – perguntamos ao mesmo tempo.
- Sim, ajudar! Fiz uma promessa de armar um presépio todo ano no Natal e quero que fique bem bonito! Só que falta muita coisa e não temos dinheiro pra comprar. Então vocês vão me ajudar saindo pela cidade e pedindo uma esmolinha para o menininho Jesus. Com o dinheiro vou comprar mais santinhos, vaquinhas e carneirinhos e assim nosso presépio vai ficar bem bonito e vou cumprir minha promessa.
Tínhamos apenas 8 anos e não entendíamos nada sobre promessas, mas do jeito que ela falava parecia coisa séria.
Além disso, naquele tempo, era comum na época de Natal, algumas crianças saírem pela cidadezinha pedindo “esmola” para o menino Jesus.
E para nós, crianças curiosas, seria uma aventura ir pedindo, de porta em porta, uma “esmolinha” para o menino Jesus.
Ela nos ensaiou direitinho e lá fomos nós cheias de entusiasmo, com a pequena imagem.
- Uma esmolinha pro menino Jesus? – e mostrávamos a imagem do menininho Jesus no bercinho que levávamos nas mãos, com todo cuidado.
Em todas as casas ganhávamos uma moedinha e assim íamos cada vez mais entusiasmadas.
Até que chegamos à casa da Dona Chiquinha, uma viúva pobrezinha e que morava com seus três filhos, cujo mais velho era o Derbi.
Como sabíamos que era muito pobre e, com certeza não teria nada para nos dar, resolvemos não bater à sua porta e fomos bater na da casa da vizinha.
Derbi nos viu, nos chamou, olhou bem pra nós com uma expressão séria e perguntou:
- Por que ocêis num batu aqui si tão batenu di porta in porta? Num bateu só purque nóis é póbri?
Ficamos sem saber o que falar diante de sua expressão zangada, enquanto ele continuava:
- Num pódi faze issu não, viu? Num pódi pula nossa casa só purquê nóis é póbri.
Neli olhou pra mim com olhar desesperado. Não tive dúvidas e falei:
- Nós tamo pedindo esmolinha do menininho Jesus.
Ao ouvir isso, Derbi entrou rapidamente em casa, voltou com um ovo e disse:
- Nóis num tem dinhêru, mais tem essi ôvu, ocêis aceita?
Um ovo de esmola??? Não estávamos preparadas para aquela situação. E agora?
Vendo nosso olhar de espanto ele falou:
- Pega, é di bão coração.
Pegamos aquele ovo, agradecemos e, sem saber o que fazer com ele, formos correndo contar pra Dona Carmen, o que acabava de acontecer.
Depois de ouvir com atenção ela disse:
- Fizeram bem em aceitar. Agora é só trocar o ovo por uma moedinha. E assim foi feito.
No final, com as “esmolas” que ganhamos, ela comprou mais santinhos, vaquinhas e carneirinhos, exatamente como havia falado e o presépio ficou lindo!
Nossa missão fora bem cumprida! Ajudamos a cumprir uma promessa que, até hoje, não sei qual foi seu motivo.
O que si é que a “esmola” do Derbi ficou gravada pra sempre em minha memória.
E, de todas as “esmolas” recebidas, acho que foi daquela que Jesus mais gostou!
Do Livro: “Denúncias Poéticas, Contos e Crônicas” – Pág. 13