Visitante indesejada

Samuel não a havia convidado. Mas mesmo assim ela veio e entrou em seu apartamento sem pedir licença.

- Olá. - Disse ela, com sua voz suave.

Samuel não respondeu, apenas olhou, avaliando-a. Depois foi até a cozinha pegou um maço de cigarro, puxou um e acendeu.

- Quer? - Ofereceu para a visitante. Ela fez um gesto com cabeça indicando que não.

- E para beber? - Perguntou ele, com a voz rouca.

- Eu pensei que eu era indesejada aqui. - Disse a visitante.

- Você é – Ele soltou uma baforada de fumaça no ar. - Mas já que você já tá aqui.

Samuel foi mancando até o armário, pegou uma garrafa de bebida barata e dois copos.

- Pode se sentar. - Falou ele, secamente. A visitante foi e se sentou na cadeira da cozinha.

Ele deu outro trago no cigarro e apagou a bituca no cinzeiro. Serviu a bebida para a visitante e para si próprio

Ela passou o dedo na borda do copo e tomou um gole da bebida. - Você envelheceu, Samuel. - Disse em seguida.

Samuel olhou para sua imagem refletida no copo, viu rugas, papada e olheira. Era o rosto de um homem velho e cansado. Ele virou seu copo em gole só.

- Todo mundo envelhece. - Disse à visitante.

Ela aquiesceu.

- Seu apartamento é escuro - Continuou ela. - Mesmo agora a tarde percebe-se que é escuro. E também é sujo. Eu vi pelo menos duas baratas desde que eu entrei.

Samuel deu de ombros e encheu outro copo.

- E Sem amigos, sem família, apenas você. Olha só o que a vida fez com você. - Ele ia tomar outro gole, mas parou o copo no ar, para ouvir melhor o que ela iria falar. - Ou será que foi você que fez isso com si próprio? Você sabe, Samuel? Será que você sabe?

Ele começou a dizer alguma coisa, mas tossiu, depois tentou de novo.

- Acho que não faz diferença. - Fez uma pausa e finalmente tomou seu segundo copo. - Antigamente isso costumava me incomodar. "Onde é que eu errei?", Ou então "por que comigo?". Eu passava boas horas nesse apartamento imundo sentindo pena de mim mesmo, enquanto via as pessoas lá fora com seus carros de marca e suas namoradas modelos, suas vidas tão melhores do que a minha. Nesse mundo, em que ninguém se importa com ninguém. A vida é uma droga, tudo é uma droga. As pessoas são idiotas e cruéis; então sabe o que eu fiz?

A visitante sinalizou que não.

- Eu deixei de me importar. Simplesmente deixei de me importar.

- Há sempre um outro lado da moeda, mas talvez fosse pedir demais, dizer para você tentar enxerga-lo. - Disse a visitante.

- Você não entendeu, eu não ligo pra lado nenhum da moeda, se eu ligasse pra esse tipo de coisa provavelmente ficaria louco. Sabe qual a única coisa que eu me importo?

- O que?

Samuel levantou a garrafa de bebida vagabunda e sorriu. - Isso aqui. - Pois a boca no bico e tomou a garrafa toda.

- Você é um homem velho, Samuel. Tanto tempo caminhando por essa terra sem nunca plantar nada. Sem deixar nada para a geração futura. Isso é...triste. E mesmo tendo essa vida medíocre ainda crê que eu não sou desejada?

Samuel não respondeu. Houve apenas o silêncio.

- Mas a boa notícia é que pode melhorar. - Falou ela.

- Eu duvido - Disse ele, em tom sarcástico,

A visitante apontou para janela. Samuel foi até ela, olhou e entendeu. Ambos saíram do apartamento e caminharam. Caminharam por muito tempo, por uma cidade silenciosa, sem carros, barulho ou pessoas.

Dois dias depois encontraram o corpo de Samuel em seu apartamento. O corpo estava apoiado na mesa, o copo virado sobre a toalha, a garrafa havia rolado para o chão e se espatifado. Havia sido ataque cardíaco

lorde Moldador
Enviado por lorde Moldador em 19/07/2010
Código do texto: T2387378
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