NO ROLETE

— O que você acha de eu pintar meus cabelos de azuis?

— Minha opinião é importante? Por que não vai e pinta de uma vez?

— Mas e se você não gostar?

— Não tenho que gostar ou desgostar! O cabelo é seu. Faça o que quiser!

— Nossa, que agressividade! Nem parece que está feliz.

— Estou mais feliz por você do que por mim.

— Então, pra que eu fique ainda mais feliz, me diga o que você acha de eu pintar meus cabelos de azuis.

— Acho que vai ficar bom! Era isso que você queria ouvir, não é? Mas por que pintar de azul?

— Eu vi aquela apresentadora na revista. O cabelo tava lindo pintado de azul! Dá uma alisadinha e vira um espetáculo.

— Espetáculo? Dos anos 70? Roupas coloridas e muito LSD?

— Muito LSD!—gritou a moça.

— Comemoremos, então! Onde vamos encontrar LSD em épocas de cocaína? Será que não estamos querendo viver um conflito de gerações?

— Ah, deixa de ser chato! Pensa nas viagens psicodélicas que faremos. Pensa nas possibilidades para o nosso amigo aqui!

— É, ele vai gostar! Mas onde vou conseguir?

— Liga pro Zé!

— Será que o Zé arruma? Acho que não é um barato comum.

— Fala que é pra mim!

Falou que era para ela e o Zé providenciou. Prestativo, o Zé trouxe rápido. Talvez até sobrasse um resto de loucura pro Zé desfrutar.

Ficariam loucos com as viagens psicodélicas do LSD. O Zé poderia se corromper provando da própria mercadoria, escondido, sob a blusa provaria do resto da loucura da moça. Mas e o namorado dela? Na loucura, esqueceria que ela tem namorado. Na loucura, faria com que ela se esquecesse do namorado. Então, decidiu ficar.

— O Zé vai ficar?

— Deixa o Zé ficar! Afinal, ele foi tão prestativo, tão rápido. Fique, Zé!

— Já que o Zé vai ficar, vou apresentá-lo ao Tonho.

Zé não cumprimentou o Tonho por que ele estava de mãos amarradas. Não estranhou. Pessoas amarradas são a coisa mais normal do mundo. Bondage! Suspenso por cordas, calado por mordaças.

— Mas o negócio é que o Tonho vai experimentar, Zé! A gente precisa vesti-lo com calças amarelas. Isso é coisa dela! Não me olhe estranho, meu amigo. Eu sou apenas mais um macho indefeso neste mundo de feministas prestes a tomar o poder. Viva a revolução das calcinhas! Saciemos suas vontades.

— Viu Zé, ele viaja antes de provar! Por isso é que não precisa de muito. E você sempre traz tanto.

—E as calças amarelas? É pra hoje, Zé? Olha que o Tonho é pesado. Vacilão, dormindo desse jeito nem facilita o nosso trabalho.

— Força, Zé! Vocês dois precisam comer mais feijão! Me chame de feijão, Zé!

A moça ria porque era difícil vestir o rapaz corpulento.

Era culpa da moça a escolha de alguém tão grande. Mas ela queria e ele se parecia tanto com o Marlon Brando quando jovem que era difícil resistir.

O Tonho não resistiu ao golpe desferido pelo namorado. Uma pancada rápida na cabeça, antes, no bar, algumas promessas bêbadas de uma noite de sexo livre ao moldes dos anos 70. Ele sucumbiu ao golpe.

Uma pena que Tonho ainda dormia. Ficava tão bem vestido de calças amarelas. A braguilha não fechava, é verdade, mas isso era um charme e ele podia contar vantagens.

— Safado! Não me olhe com essa cara, Zé. Meu namorado só está viajando, logo ele volta ao normal. Você não pode vir com essas viagens de pensar que eu te dou mole.

— Amor, você tá sentindo? Olha que viagem!

— Eu sei, amor. Fui a Paris e voltei, lambuzada depois de ter dançado tango. Eu mereço, Zé! Ainda bem que tenho você. É bom ter alguém que aprecia as nossas loucuras.

Zé apreciava tanto as loucuras da moça que agarrava com unhas e dentes as sobras. Mordendo a orelha, arranhando as costas. Queria muito que ela fizesse, mas eram apenas viagens. E poderia parar por aqui: ele viajando que ela lhe mordia a orelha e arranhava as costas, que o corno do namorado dormia e o Tonho fazia apenas parte da decoração, suspenso.

Um vaso quebrado com a tentativa frustrada do namorado em alcançar o arco-íris. Vaso chinês. Em épocas de globalização o mundo se torna próximo. O Zé com seus olhos puxados.

— Seu pinto é pequeno, Zé?

Zé ficava encabulado demais para perguntar se ela queria ver. Ele não queria que ela visse o que nele era menor. E Marlon Brando com as braguilhas que nem podiam se fechadas. Calças amarelas, LSD, não devia ter experimentado.

Tudo podia ter acabado, mas ele queria as sobras.

A moça sobrara. Todos entorpecidos e ela sóbria. Como sempre, os homens dormem.

Triste sempre ter de ficar sozinha. Vestida de panteras, roupa a lá Farah Fawcett. Nem uma arma sequer.

Uma promessa de sexo com mordidas na orelha e o traficante chinês cai rapidinho. O namorado retorna da viagem e, silenciosamente, vestido também de panteras, sorrateiro, apunhala Zé pelas costas.

Metal na carne, já havia o suficiente para um churrasco.

Carvão em brasas. Era bom ter um namorado que também gostava de provar e apreciava seus dotes culinários.

Humanos no rolete.

Fabiano Rodrigues
Enviado por Fabiano Rodrigues em 19/07/2010
Código do texto: T2387313
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