Quando a morte se torna um Bálsamo
Maria adorava ler livros, sempre à noite. Costumava dizer que a madrugada era a melhor parte do dia, o mundo se tornava mais calmo, nada de barulho, o silêncio era como música pros seus ouvidos.
Taciturna como era, não tinha muitos amigos. Dava pra contar em uma só mão. Não era rica, e nem tão pobre. Tinha casa própria e nunca lhe faltava o que comer.
Não dividia seus segredos com ninguém, poucos a conheciam realmente.Por ter medo da solidão vestia máscaras, agradava quem quisesse agradar. Máscaras feitas de pó que se desfaziam sempre. Não era falsa. Nunca sustentara amizades, talvez por ser tão singular.
Pensava em que parte da vida se perdera. Talvez os fracassos a tenham moldado de tal forma que ficou desconfigurada. Não aprendia com os erros, ao contrário, repetia-os com freqüência.
Morava só com um gato velho que ganhara do seu pai, já falecido. A presença do felino confortava sua consciência já que desde a morte do pai, jogara tudo fora para não sofrer com lembranças lúgubres.
A história de Maria é, em parte, como tantas outras das meninas de seu bairro. Após o nascimento, sua mãe fugiu. Não tomara parte da culpa. Pensava que a mãe era covarde demais para assumir uma criança e talvez daí tenha herdado a personalidade frágil e medrosa.
Aos 20 anos não havia nada para se orgulhar, a casa que tinha, legado do pai. Trabalhava como balconista numa loja de cosméticos. Era um estorvo pra ela.
Nunca se apaixonou de verdade. Incapaz de amar realmente. Afinal, como querer bem alguém antes de nos querer também?
Não se conhecia. Sua única certeza: Adorava livros. Vivia seu mundo nas páginas, sentia-se ela mesma sendo todos os personagens.
Ouvia músicas antigas. Nasceu na época errada. Coitada.
Após sair do trabalho num sábado a noite, voltava a pé pra casa quando foi abordada por um grupo de rapazes num carro. Eles mexiam com ela. Estavam ébrios.
Pararam o carro e foram em direção a Maria, sentiu medo, congelou a espinha. Não havia ninguém na rua, estava deserta. Seus gritos seriam baldados.
A empurraram para o meio fio, caiu no chão batendo forte a cabeça, mas não a fez apagar, deixando-a acordada para presenciar o que viria a seguir. Os garotos estavam com olhos vidrados.
Após uma seqüência de torturas. Maria sentiu-se feliz. Não pelo o que havia acontecido nem pelo susto prematuro. Mas sentiu-se feliz quando percebeu que iria morrer, que aquela vida medíocre teria fim. Algo que ela já havia tentado algumas vezes, sem sucesso.
Finalmente se veria livre de tudo que a cercava e até dela mesma. Não importa como seria depois. Aquilo que vivera, acabaria.
E sem máscaras, sorriu, verdadeiramente, quando a décima facada atingiu seu peito.