O espaço que não abrigava palavras

 

 

A janela e seus olhos não conseguiam abrir-se em outra direção. Como era possível?

Apesar dele ainda segurar a vara de pescar, continuava na mesma posição, aludindo o  alheamento a tudo e a todos.

Os dias se alternavam, sem vida e cor, enquanto ele, seu filho aparentava se deleitar na mais pura letargia.

Cabisbaixo, múltiplos pensamentos serpenteavam por sua cabeça. Um emaranhado de sentimentos emergia de seu coração. Nada se exteriorizava. Seus olhos se perdiam nas montanhas e nas escuras águas do lago. Por diversas vezes pequenos peixes vinham morder a isca. Apenas a vara se mexia.

O estado de torpor em que se encontrava embaraçava qualquer tipo de reação. Somente seu corpo ocupava aquele espaço. A alma se contorcia ao tempo em que o espírito, discretamente observava. Torcia para que aquela luta insana tivesse um final feliz.

Ao tempo em que o lago se transformava em prata, pequenos pontos luminosos surgiam no céu. Contudo, nem mesmo um pranto surgia do nada.

A vida teimava em percorrer os diversos sulcos que permeavam aquele corpo. E ela não desistia, insistia. Ia e vinha na proporção que suas forças lhe permitiam.

Entretanto, houve o momento em que a luz começava a entregar os pontos. Principiava por esconder-se sobre repentinas e densas nuvens. A escuridão monopolizava toda a natureza e a colocava sob sua sombra. As raízes desfrutavam o momento. Iam mais e mais fundo. Retiravam todos os nutrientes das profundezas da terra. Alimentavam o corpo que sustentavam. 

Lentamente o silêncio tomava posse desse negrume. Abria campo para sua própria música. As notas revelavam-se celestiais e adentravam mansamente aquele coração.

A apatia principiava tirar as vestes que encobriam tantas inquietações. Os batimentos e os movimentos cardíacos daquele corpo viril retomavam o ritmo de forma sutil. A cor voltava-lhe ao rosto e afastava a expressão da dor. Sucedia o despertar das trevas, o resgate de sua própria imagem e de tudo que o cercava. A verdade estava sendo desvelada e um novo traçado emergia para sua biografia.

Finalmente pude encostar a janela e elevar o olhar serenado em direção ao céu. As duas folhas da porta se abriram e resguardei seu corpo no único espaço que não abrigava palavras. Meu filho renascia.   




heleida nobrega
Enviado por heleida nobrega em 16/07/2010
Código do texto: T2382192
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