A ESTRANHA SENHORA DO FUNERAL

Faltavam menos de quatro horas para que o rico senhor Guilherme Castilho fosse sepultado.

Ao lado do caixão, a viúva Erondina orava contemplada. Sentados ao lado em forma de meia lua, os quatros filhos, as três filhas, netos e demais parentes conversavam em tom muito baixo e respeitoso. Ao lado de fora, além da pequena multidão, um bom número de fotógrafos esperavam ansiosos a chegada de personalidades, entre elas um deputado.

A sala encheu-se de silêncio ainda maior quando apareceu na porta da capela mortuária uma elegante senhora vestida com um tailleur branco com botões pretos. Percorreu os dez metros que a separavam do caixão e o som do par de sandálias pretas de meio salto quebravam a quietude diante de olhares atônitos.

Aproximou-se do caixão, fez o sinal da cruz, estendeu a mão esquerda sobre as mãos cruzadas do defunto e imaginasse que tenha feito algumas orações. Beijou a testa do senhor Guilherme e sem proferir uma única palavra e sem olhar para ninguém, retirou-se três minutos depois.

Todos se entreolharam a procura de uma resposta. - Quem é? Mas ninguém sabia responder.

Do outro lado do caixão, a senhora Erondina ainda olhava estupefata com um leve sorriso nos lábios. Voltou a si e perguntou para o filho mais próximo de quem se tratava, mas não obteve resposta; pelo contrário, todos imaginavam que pelo menos ela soubesse quem era a estranha e bela senhora.

Veranice, uma das noras, dirigiu-se aos fotógrafos e perguntou se alguém a conhecia ou lhe tirado uma foto. Nem uma coisa nem outra.

Diante de tanta curiosidade não demorou a surgir especulações. Amante do senhor Guilherme? Difícil, ele falecera com 86 anos e os últimos oito esteve acamado. Parente distante? Também pouco provável, a família era muito unida.

No cemitério, a viúva pediu mais 10 minutos. Tinha esperança que a estranha senhora comparecesse. Desesperançada, autorizou o último ato.

À noite, com toda a família ainda reunida, o assunto era o mesmo. Quem seria aquela senhora que se mostrou muito íntima sem, no entanto, derramar uma lágrima?

Com a boca toda lambuzada de torta doce, a pequena Camila, neta de Erondina, deu uma explicação.

- Essa pintinha que eu tenho aqui no pescoço, atrás da orelha, o vovô também tinha, né vovó? Aquela mulher tinha também, eu vi.