O filho da Loteria
Tinha apenas 5 anos quando perdi minha mãe. Ela foi apedrejada até a morte em praça pública. Ela nunca fez nada de errado em toda sua - breve - vida. Bem, nada a não ser viver naquela vila. Era um lugar pequeno - cerca de 300 pessoas viviam lá - e todos se conheciam. Toads as crianças eram da mesma escola e, naquele dia, a escola tinha fechado para as férias de verão. Era um bonito 27 de Junho e dava para ver o Verão em todos os lugares. Tive vários 27 de Junho na minha vida, mas eu jamais esquecerei. Era o dia da Loteria.
O primeiro grupo a se juntar na praça foi o grupo de crianças. Etávamos muito animados e falávamos sobre nossa última semana de aula enquanto procurávamos por pedras, as maiores e mais redondas para fazer um grande pilha com elas. Naquele momento, não sabíamos o quanto tudo aquilo era terrível. Não teríamos como perceber. Nossos pais chegaram um pouco depois. Conversavam sobre coisas cotidianas, como plantações e chuvas e evitavam olhar para a pilha de pedras. Nossas mães apareceram bem depois de nossos pais e trocavam noticias entre si. Todos estavam tensos. As crianças podiam sentir, mas não podiam entender. O sorriso nos rostos dos nossos pais tinha algo mais. Algo como medo. E a Loteria começou.
Todas as famílias estavam reunidas quando Mr. Summers, o maior responsável pelas datas festivas da vila, começou a conduzir a Loteria. Ele carregava uma caixa preta de madeira e a colocou sobre o tripé que Mr. Graves havia trazido. Todos mantinham uma distância segura da caixa até Mr. Summers pedir por ajuda. Houve uma hesitação antes que Mr. Martin e seu filho mais velho, Baxter, se aproximassem para ajudar e segurar a caixa enquanto Mr. Summers colocava os papéis dentro da caixa. Ao fazer isso, Mr. Summer deu como oficial a abertura da loteria.
O próximo passo – E posso dizer isso porque era quase um ritual – foi a lista com o nome dos chefes de família. Eles representavam suas famílias durante a Loteria, a não ser pela família dos Dunbar. Mr. Dunbar havia quebrado a perna e seu filho mais velho ainda não tinha 16 anos, então a Sra Dunbar representou a família. Depois de todos serem chamados, eles sortearam um papel de dentro da caixa. Apenas um desses papéis estava marcado com um pequeno ponto preto feito por Mr. Summer. Todos os papéis estavam em branco, menos o do meu pai.
Nós havíamos ganhado a Loteria.
Desse momento em diante, tudo aconteceu muito rápido. Todo mundo estava preocupado com a hora e queria voltar para seus lares e trabalho. Eles queriam fazer tudo logo, para não perderem a hora do jantar. Minha mãe reclamou. Ela disse que meu pai não teve tempo de escolher o papel que ele queria, mas ninguém deu ouvidos Às reclamações dela; Minha família foi posta em fila e nós tivemos que tirar novamente um pedaço de papel. Dessa vez, só minha família precisou escolher. Eu era tão novo que alguém me ajudou com essa tarefa.
Quando abrimos os papéis, lá estava ele: um ponto preto no pedaço de papel da minha mãe. Ela foi a ganhadora definitiva da Loteria. E ela merecia morrer. Ela merecia ser morta.
Tudo por causa de um pontinho preto no meio de um papel.
A única coisa que eu lembro depois disso é da multidão que se formou ao redor da minha mãe, se aproximando cada vez mais dela. Ela tentou se defender mas alguém jogou uma pedra que a atingiu no meio da testa. Fui eu. A primeira pedra que matou minha mãe foi a minha.
Logo em seguida, todos começaram a jogar pedras até ela que ela ficasse indefesa e pouco tempo depois, morresse. Eu senti falta dela por muito tempo depois disso, mas é assim que a Loteria funcionava, certo? Depois disso, passei mais 2 anos na vila até meu pai também ganhar a Loteria. Mas naquela vez eu não quis fazer parte daquilo. Sentia que não pertencia àquele lugar. Então, ao invés de viver com meus outros irmãos, fui morar com uma tia.
Desde então, sinto a mesma coisa todo dia 27 de Junho. Me sinto um assassino, apesar de nunca ter essa intenção. Parecia ser o certo a fazer. Um ritual anual numa vilazinha. Um sacrifício que precisávamos fazer – embora ninguém soubesse ao certo o porquê. Um dia, pretendo voltar e ver se continuam fazendo a Loteria. Mas estou sempre aterrorizado com a idéia de ser o próximo.
Projeto – reescrever o conto The lottery (Shirley Jackson) a partir do ponto de vista de um dos envolvidos.