O Cardápio
Numa certa cidade do interior no Nordeste, foram realizados três dias de festejo pelo aniversário da cidade, e também da Padroeira. Fomos contratados para fazer os bailes. A cidade estava toda em festa, recebia os visitantes que vinham de vários lugares — das redondezas. Quando lá chegamos, por volta das onze horas da manhã, fomos recebidos com um ótimo almoço. No cardápio, um belo bode cozido — nunca comera um prato tão delicioso!
Logo depois do almoço, fomos conhecer o clube da cidade — um lindo clube — digamos de passagem. Descarregamos toda a aparelhagem e montamos sobre o palco, num ponto bem estratégico, para que o som reverberasse melhor e, ao mesmo tempo não atrapalhasse uma eventual condecoração.
A cada momento, chegavam mais e mais pessoas; o festejo prometia ser inesquecível. Depois de arrumar toda aparelhagem, voltamos para o hotel, para tirarmos um cochilo. Estávamos bem cansados da longa viagem, e precisávamos descansar para pegarmos no batente, logo à noite. Quando acordamos, já era quase a hora do jantar... Nos vestimos e fomos para o restaurante — que ficava defronte a uma praça — a praça principal daquela cidade. De lá do restaurante, podíamos ver todo o movimento. Enquanto esperávamos pelo jantar, “beliscávamos” alguns salgadinhos — pãezinhos de queijo, entre um aperitivo e outro.
Uma garçonete bem gentil nos trouxe o cardápio, com uma enorme variedade — lá estava escrito: Bode ao molho, bode assado, bode cozido e etc. Bom, pensei: — acho que vou experimentar o bode assado; isso porque já tinha comido bode cozido no almoço. Nada mal — variar!... E além do mais — o bode estava bem suculento — uma delícia! Depois fomos para a praça — enquanto era feita a digestão.
Pessoas circulavam pra lá e pra cá — tipicamente uma cidade do interior! Então, depois de alguns passos naquela praça – que tinha um cheiro de jasmim... Fomos a pé para o clube — que ficava a poucas quadras do hotel. A cidade estava em polvorosa, gente de todos os lugares. Assim que chegamos ao clube, fomos recebidos de braços abertos. Nas extremidades do salão, existiam vários candelabros, rosas por todos os lugares — a impressão que tivemos, é que iria haver um desfile de moda. Tapetes coloridos pelo chão, rodeavam todo o salão. Enfim, começamos o baile. Todo aquele glamour era para festejar as ‘bodas de prata’ da primeira-dama com o prefeito da cidade. A festa só estava começando.
Casais tão elegantes dançavam no meio do salão — cada um deles queria mostrar sua primazia — de como se dançava bolero — por exemplo. A Banda estava adorando tudo aquilo, ainda iríamos ficar mais dois dias naquela cidade. Logo que acabamos o baile, fomos convidados a participar de um lanche — onde nos ofereceram um churrasco... Bom, um churrasco de bode! Nada mal, até então, não sabia que gosto tinha o bode assado no espeto. Lanchamos e fomos para o hotel.
No dia seguinte acordamos, não muito cedo, mas ainda daria tempo de tomar o café da manhã. Logo apareceu aquela simpática garçonete — com o cardápio. Pensei: Hoje vou comer algo diferente. Mas, quando olhei aquele bendito cardápio, levei um susto tremendo; examinei-o minuciosamente para ver se havia algo que não tivesse carne de bode; mas foi em vão!... Disse para mim mesmo — não vou suportar comer buchada de bode todos esses dias. Então, preferi tomar o café com algumas bolachas, apenas.
O Nezinho, que era ajudante da Banda, perguntou para a garçonete se não havia uns ovos, para variar. Disse-lhe, então:
— “Garçonete, por favor...
Por acaso tem um ovinho?...
Só pra variar um pouquinho...
Agradeço com louvor!”
— “Moço, a venda já fechô!...
Mais tem um baum viradinho...
Vou pegá só um bucadinho,
Inquanto isperam o cantô!”
Eu estava tão enjoado de comer bode, que evitava passar ao lado do restaurante, e sempre dava um jeito de dar uma “escapadinha”, para ir comer sanduiche numa lanchonete que ficava do outro lado da rua, defronte à Igreja principal daquela praça — tão arborizada. Naqueles últimos dois dias, o sanduiche foi minha salvação... E não via a hora de voltar para casa, para comer algo diferente! Dei graças a Deus, quando acabou o último baile. Naquela mesma madrugada, nem dormimos na cidade; estávamos cansados, decerto, mas resolvemos botar o pé na estrada.
Na volta pra casa, ninguém ousava comentar aquele episódio. Também não era pra menos; acho que iríamos passar mal, só por lembrar; então, o silêncio foi a melhor solução.
Chegando em casa, encontrei minha avó esperando ao portão... Assim que ela me viu, disse: — “Paulinho, meu filho, aproveite que você está de carro, e vá ali ao mercado comprar um quilo de bode, que hoje vou fazer um ensopado, para comemorar a sua chegada.” Disse-lhe, então:
— Minha avó... Tenha dó de seu neto... Passei TRÊS DIAS DE BODE!!!