ROENDO AS UNHAS

Dependendo da ocasião, me tomam por louco, neurótico, obsessivo. Obsessivo até! Dependendo da ocasião, minha loucura se adapta àquele que me toma por louco.

Sei que os olhos alheios me vêem mais estranho do que na realidade eu sou.

Sou normal.

Ocorre que, por vezes, quando a ansiedade me impede de ter outra reação menos estranha, louca, obsessiva, rôo as unhas. Até o fim, até doer, até que me condenem horrorizados com meus dedos sangrando.

Chego a sentir o gosto da minha carne. Mordendo aos poucos, dedo após dedo, chego à dor.

Dói, obviamente. Se não doesse conseguiria chegar aos ossos, ligamentos. Exagero, eu sei, mas arrancaria as duas mãos numa mordida só. Por que adquirimos técnica, agilidade, imunidade. A dor passa a ser apenas uma etapa para se chegar lá.

“Lá onde?”, as pessoas me perguntam quando eu tento explicar.

Quando as pessoas me olham assim nervosas, sentindo a dor em meu lugar, sentindo pena do meu desespero, eu tento explicar.

Não consigo! Deixar de roer. Deixar de explicar para me livrar logo de tantos olhares assustados. Minhas mãos sangrando. Crianças assustadas, as mães as escondendo da minha obsessão.

Eu quero! Chegar até o fim. Deixar de roer antes que consiga decepar as mãos.

Deveria serrar os dentes, arrancá-los, extraí-los antes que minhas mãos sofram este destino.

Desliguem a tv porque com mãos tão machucadas eu não consigo.

Com nada que me impulsione, que cause ansiedade, não tenho razão para roer as unhas.

Torço desesperadamente que o assassino morra antes do final, que a mocinha chore menos por um amor não correspondido, que o mundo não se acabe com o meteoro que se aproxima ou que os ETs sejam derrotados antes de abduzirem nós humanos, antes que todos nos tornemos zumbis em busca de cérebros...

Desliguem a tv.

Antes que minhas mãos gangrenem, o sangue coagule, que meus tendões se enrijeçam até nunca mais poder recuperá-los, desliguem minha obsessão. Tirem de mim.

Foi tentando esquecer Mariana, esquecer que minhas mãos não tinham força suficiente para segurá-la, que despertei tais sentimentos. Feridos, os dedos.

Chega de tanta doer.

Que venham me amputar. Que o céu desabe e os cérebros tenham gosto de frango, que a mocinha chore enquanto eu explico. Aqui comigo, o mundo pode acabar, o filme ter péssimas críticas, que o assassino morra logo de mãos amputadas, sangrando. Antes que o resgate invada a casa, que a mocinha sobreviva agradecida, quero sangrar. Com tiros, com cortes, vidros estilhaçados, com dor, com a impossibilidade de dar tchau e receber meu Oscar.

Fabiano Rodrigues
Enviado por Fabiano Rodrigues em 01/07/2010
Código do texto: T2352207
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