Nem tudo é o que parece

Os visitantes do brechó de Dona Madalena fazem parte de um público dos mais variados: vão de senhoras humildes a moças jovens e alternativas, passando por aposentados de mão fechada e admiradores de peças diferenciadas. Clientela é o que não falta, para a felicidade da senhora dona do recinto pouco comum nos dias de hoje.

Dona Madalena é magra, de baixa estatura, tem pele morena e cabelos bem negros presos em duas tranças longas, as quais ficam dispostas sempre uma sobre cada ombro, caindo até o peito. O penteado lhe faz parecer uma peruana com ares de criança. Esta última costuma parecer perdida em algum lugar da alma, mas logo aparece no sorriso amigável ofertado aos que chegam sempre em busca das relativas novidades.

O carro-chefe do negócio atemporal da pequena senhora são as roupas, que ela compra para revender ou que lhe são doadas. Há ainda o sistema de troca, do qual ela não gosta muito, pois é raro encontrar peças que cheguem aos pés do seu material altamente selecionado. “Não me venham dizer que vendo velharias. São raridades”, ela costuma dizer.

Enquanto uma mulher alta, loira e de cabelos curtos avaliava um colete francês em uma das araras de roupa, um homem de feições orientais chegou para buscar um quadro. Na imagem – claramente um pôster emoldurado -, era possível ver uma gueixa de branco, localizada em um cenário que parecia remeter à China Imperial. Ele saiu satisfeito com o artigo vindo de sua terra natal. Pelo menos era no que ele acreditava.

Parecendo divertir-se por dentro, Dona Madalena deixou sua assistente tomando conta dos clientes e subiu as escadas para o segundo pavimento de sua loja. Chegando lá, afastou a enorme cortina de uma das paredes, deixando à mostra uma tela pendurada de forma improvisada, que ia mais ou menos da metade da parede até o chão, cobrindo a janela. Nela se via pintado um cenário exatamente igual ao do quadro oriental. Só que sem a figura da gueixa.

Na cadeira de balanço, próximo ao armário velho do sótão, jazia uma vestimenta oriental típica que a dona do brechó havia ganhado de uma ex-funcionária do consulado da China – cliente assídua. Na penteadeira, as maquiagens. No tripé, a câmera ainda apontava para a tela. Os sapatos e a peruca estavam ao lado do vestido.

Dias atrás, devido à baixa altura da tela, quando Dona Madalena se colocou à frente do cenário, percebeu que poderia parecer uma pessoa alta, dada a ilusão de ótica. E foi assim, travestida em um domingo de descanso, que a pseudoperuana produziu sua falsa grandeza em forma de gueixa, misturada com uma pitada de arte e bom humor. Ela também inventava suas raridades.