Caio

Encontrei-o na entrada do elevador para a Cidade Alta. Faltavam-me 5 centavos para comprar o bilhete, na carteira, somente três notas de R$ 50 e duas de R$ 20. Quase desistia, pensando no pacote de moedas que receberia como troco. Utilizando a nota de 20 seriam 399 moedas a serem carregadas cidade acima.

Foi quando o menino me abordou, esticando o braço e oferecendo uma moeda de 10 centavos, sem dizer nada. Embaraçado, peguei a moeda. Agradeci, mas rapidamente entendi o gesto de oportunidade. Ação igual a essa deveria ter acontecido inúmeras outras vezes: turista sem condições de pegar o elevador por excesso de dinheiro na carteira! O garoto certamente identificara um pequeno nicho de negócio de sobrevivência, ou seja, oferecer aos passageiros abastados os miúdos necessários para o transporte.

Perguntei ao garoto se ele estaria por ali quando eu descesse. Disse-me que não, mas perguntou se eu lhe pagaria um lanche na Cidade Alta. Foi então que notei a sua frágil estrutura física: magro, esquálido na verdade, os ossos pontudos aparecendo por debaixo da camiseta, pés descalços, cabelos desgrenhados. Impressionou-me seu olhar apagado, sem vida. Daria a ele uns 10 ou 12 anos; difícil de adivinhar a idade real que se escondia naquele monte de ossos.

Concordei. Fomos para a porta do elevador. Enquanto esperávamos, o menino, sempre muito sério, foi chamado pelos policiais que faziam a ronda no local. Rápida conversa e o garoto voltou. Perguntei o que os guardas queriam e ele disse que haviam dito a ele para cortar o cabelo. De todo o seu semblante, o cabelo a ser cortado seria o último detalhe que me chamaria a atenção; impressionou-me sim a face, na qual não podia vislumbrar qualquer possibilidade de sorriso. Pareceu-me que aquele garoto jamais sorrira.

Cidade Alta. Ainda no corredor, tirei a nota de 20 e dei ao garoto. Tive o ímpeto de dizer-lhe para se cuidar, como se isso pudesse alterar o seu destino. Antes, perguntei-lhe o nome. Num lampejo ocorreu-me que dizer o próprio nome pudesse representar um gesto de afirmação de sua própria existência, ainda que tão desvalida. Caio pegou o dinheiro, agradeceu, não sorriu, e nos perdemos de vista.

Continuei minha caminhada pela praça em direção ao Pelourinho. Alguns metros e minutos adiante deparo-me novamente com Caio, agora crescido, talvez mais esquálido do que antes, desdentado, assustado, fragilizado, fisionomia alquebrada, camiseta rasgada, pés descalços, mãos amarradas para trás, feito pricioneiro por dois policiais. Paro para ver a cena.

Uma terceira policial aproxima-se, mulher corpulenta e aparência durona, pergunta aos colegas sobre a apreensão que haviam realizado. Um frasco de pílulas. Parece que Caio descobrira um novo negócio de sobrevivência.

A policial fala em tom jocoso sobre a prisão. Os dois homens continuam a escoltar Caio Crescido que quase não consegue acompanhar o passo rápido dos policiais, tamanha a fraqueza física. Segue, certamente, para a delegacia, onde será apertado para entregar o traficante para o qual trabalha. Em seguida, será devolvido para a rua, seu mundo e sua morada. Enquanto olho a trágica figura descendo a praça, penso em Caio Criança, em sua fome e falta de sorriso.