A Sonhadora
Ela dormia de bruços sobre o colchão velho.
— Acorda, Mariana! — a mãe gritava pela terceira vez.
A morena de dezesseis anos se levantou, descontente. Caminhou devagar, ainda tonta de sono, até o armário. Pegou uma roupa qualquer que julgou bonita e foi-se ao banheiro se preparar para a aula.
Na cozinha, entre as mordidas famintas que dava no pão com manteiga, Mariana contava à mãe sobre o grande sonho que tinha desde o dia anterior.
— Se eu ganhar, vou poder registrar o que eu quiser! Todas as minhas músicas, mãe!
— Que maravilha, filha. — a mulher respondia com um sorriso cansado e sem nenhum traço de esperança em seu rosto.
A menina percebeu.
— Eu posso ganhar esse concurso. Você sabe que escrevo bem.
— Claro que sei, meu anjo. Escreve muito bem.
Depois de alguns momentos em silêncio, a compreensão atingiu Mariana.
— Não é nisso que você não acredita, não é? Não acha que posso ganhar dinheiro com as minhas músicas?
E ali se estendeu um longo discurso de mãe para filha, que citava tanto a realidade quanto a fantasia, somente para não destruir por completo os sonhos da menina. E após o fim da discussão, Mariana saiu de casa ainda mais decidida a inscrever-se no concurso de literatura da escola, se não por suas crenças, por sua teimosia.
E o dia passou-se com Mariana escrevendo o tempo todo. Escrevia de tudo; contos, artigos e poemas, e deixava para depois a preocupação de escolher um dos textos para inscrever no concurso. Era melhor em alguns, pior em outros, mas sua paixão era por todos.
Depois de pouco mais de uma semana, Mariana selecionou seu mais bonito poema e o inscreveu no concurso. E somente depois de um mês a mãe pôde ver o resultado daquele simples ato.
— Eu ganhei! Consegui, mãe, eu ganhei!
A menina gritava e pulava ao abraçar a mãe, que também compartilhava a alegria.
O prêmio ganho havia sido R$200,00 em dinheiro, dado a Mariana por uma escola particular, que por sorteio havia escolhido o colégio da menina para promover o concurso.
Quando Mariana já se preparava para usar o telefone e saber mais sobre o registro de suas músicas, a mãe a interrompeu e a levou para o quarto pobre onde as duas dormiam. Sentaram-se e a mãe começou a falar:
— Mari... Você sabe que estamos apertados. Precisamos desse dinheiro para coisas mais importantes.
Uma discussão óbvia se iniciou. Uma mulher já feita querendo conservar seu estilo de vida; uma garota sonhadora querendo melhorar o seu. A mãe tentando provar que as vontades da menina não tinham garantias, a filha tentando provar o contrário.
— Eu já te disse! Aquela música é quase idêntica à que eu escrevi! Se fez sucesso, as minhas também vão fazer, mãe.
Por fim, a mãe, que tinha legalmente o dinheiro desde o começo, usou de sua posição para tê-lo nas mãos. A menina foi aos prantos para a cama enquanto a mãe se sentava na cadeira frágil da cozinha. Naturalmente, ela se sentiu mal pelo que fez. Justificava sua ação como necessária a cada vez que ouvia o barulho de fome que seu estômago produzia, mas ainda assim, se sentia péssima.
Correndo o risco de se arrepender amargamente, Marta, a mãe, foi ao telefone e começou a discar freneticamente. Ligou para todos que conhecia pedindo dinheiro, somente o necessário para comer e pagar as contas por algum tempo. E, para sua intensa satisfação, seu irmão pode lhe emprestar o dinheiro.
Marta foi, na mesma tarde, coletar os R$150,00 na casa do irmão. Notou, assim que parou em frente ao prédio, a razão de ter conseguido dinheiro somente com ele. Era clara a diferença das classes sociais dos dois, apesar de terem vindo da mesma família. Ele morava em apartamento; ela, em favela.
Marta agradeceu o irmão até sentir dormência nos lábios. Voltou contente para casa e devolveu o dinheiro da filha a ela.
Mariana trabalhou. Divulgou o próprio trabalho arduamente nos próximos meses, só não desistindo para não decepcionar a mãe. E então, prestes a fazer dezessete anos, Mariana recebeu retorno, quase ao mesmo tempo em que descobriu estar grávida. O mesmo cantor que tinha a música tão parecida com a de Mariana teve conhecimento de suas obras e comprou uma de suas novas composições. E assim foi: a música foi um sucesso nas rádios, e Mariana recebia um pouco do lucro a cada dia. Logo, ela juntou dinheiro o bastante para sustentar a ela mesma e sua filha, e mais tarde, para conseguir um lugar melhor para viver. Isso tudo, claro, enquanto compunha mais canções e investia corretamente.
Pode cuidar da mãe até que ela morresse, sempre ganhando cada vez mais espaço no cenário musical. Anos mais tarde, Mariana estava em melhores condições que o tio, a quem devia tudo pelo R$150,00 emprestados. Ela vivia, finalmente, a vida com qual sempre havia sonhado.
— Acorda, Mariana! — o homem falava, ao lado da esposa. — Você tava sonhando, não é?
Mariana olhou para o marido e assentiu.
A morena de trinta e um anos se levantou descontente. Olhou para os blocos que formavam as paredes, guiando o olhar até a cama onde sua filha dormia pesadamente.
— Foi diferente dessa vez. — disse Mariana, agora encarando o marido. — Meu tio aceitou emprestar o dinheiro.
Ela suspirou antes de continuar:
— Vi, em flashes, como seria minha vida se tivesse conseguido. Se ele tivesse emprestado os R$150,00, se eu conseguisse dinheiro com minhas músicas.
Ela caminhou até a filha adormecida e, acordando-a, murmurou:
— Marta... Nós vamos dar um jeito de pagar pelas suas aulas de teatro. Nós vamos.
Mariana beijou o rosto da filha e foi se arrumar para mais um dia de trabalho.