UMA CENTELHA

 

 

(história fictícia baseada na prática profissional, para sensibilização em hanseníase/ profissionais da área da saúde)

 

 

 

Vou contar minha história, pois  acredito que muitos ainda passam pelo mesmo sofrimento.

 

Um dia, encontrei uma mancha em meu corpo.  Ela não doía nem nada, apenas, me incomodava. Não tinha nascido com ela, por isso deveria me livrar dela. Andei, andei... passei por múltiplos tratamentos,  pomadas, quantas? Nem sei...

 

Foi num amanhecer cinzento  que uma porta se abriu, mas logo se fechou. Alguém me disse: - Você tem ‘lepra’! Desmoronei, chorei, chorei...

 

LEPRA! lembrei... Lembrei do Evangelho; do padre de minha igreja; da ‘Lepra da Alma’; lembrei de Lázaro...

 

Lembrei das histórias que ouvi as quais falavam de pessoas que caminhavam pelas estradas ou periferia das cidades, vestidas de trapos, para esconder talvez, seus farrapos...

 

Passavam com sinos e canecos, para que ninguém chegasse tão perto, porém  não tão longe que não pudesse dar uma esmola a quem tão pouco pedia e recebia,  do pequeno mundo em que vivia.

 

Chorei, pois nem sequer sabia que a ‘lepra’ ainda existia! Atordoada,  procurei outra porta e um dia,  ela  se abriu.           

Encontrei  alguém, talvez do além, que me recebeu humana como  sou   e me disse:  - Você tem hanseníase, uma doença que hoje, tem cura. - E a ‘lepra’? Perguntei.

 

- A ‘lepra’!  Ficou lá fora, bem distante. Num passado  com todas as marcas tão faladas, tão malfadadas...

Sentei, escutei, constatei. Comecei a entender porque era hanseníase e não ‘lepra’, a doença que me acometia. Não era uma questão de nome, era a postura, que me comovia.

 

Se fosse ’lepra’, não estaria indo de volta para casa, levando meus remédios, com a certeza de que posso abraçar meus filhos. Se fosse ’lepra’, teria que abandonar o trabalho para não continuar contaminando e aterrorizando. Se fosse ‘lepra’, esse alguém,  que tão bem me recebeu, teria dito: - É melhor se isolar para não ter mais motivos para chorar.

 

Não! Não foi isso que vi. Não foi isso que ouvi. Não foi isso que senti. Senti minha chance de cura. Senti o olhar sincero do próximo. Senti o sorriso das palavras boas. Palavras certas, ditas na hora certa.

 

Não! Não vou ficar com os entulhos do passado dessa história, transbordando e sufocando minha garganta! Não vou me transformar em um grande terreno baldio dentro de  um peito vazio...

 

Sei que sou só um grão de areia, mas sei que também tenho minha importância.

 

Não estou sozinho! Encontrei enfim, a palavra, o cuidado, a atenção que tanto busquei. E o que é melhor, encontrei a perspectiva de cura.

 

Uma centelha, apenas uma centelha que reacendeu minha vontade de viver.

 

 

ano 2000

 

 

Texto extraído de: METELLO, Heleida Nobrega. Apenas uma centelha. In: SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Saúde. Educação em saúde: coletânea de técnicas. São Paulo: Centro de Vigilância Epidemiológica Prof. Alexandre Vranjac, 2002. v. 2. p. 257-258./ Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo – Centro de Formação e Desenvolvimento dos Trabalhadores da Saúde.

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/hab_prof_agente_comunit_saude_mod1_unid3.pdf




heleida nobrega
Enviado por heleida nobrega em 25/06/2010
Reeditado em 26/06/2010
Código do texto: T2341632
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