Estranho amor.

A bola bate em sua face com muita força. Helena ainda meio aturdida interrompe a caminhada matinal e olha ao redor. Procura o culpado deste ato inconveniente.

Eis que surge detrás das árvores do parque, um menino pequeno ainda, deve ter uns, seis ou sete anos apenas.

Franzino, está muito assustado. Pede desculpas.

Helena, passado o susto, observa a roupa gasta, os tênis furados, o rostinho pálido e triste.

Abaixa-se, colocando-se ao nível do menino, atitude aconselhável para um bom e produtivo diálogo.

- Como é teu nome? Pergunta pensando que bem que poderia ser seu filho.

- Me chamam de Fubá dona, diz ele olhando para ela de uma forma perturbadora.

Este menino lê minha alma, pensa ela. Como pensa também nas suas relações mal sucedidas, nas gestações frustradas, nos sonhos adiados.

- Meu nome é Helena, fala sentindo-se tola e sem saber onde vai parar a conversa.

- Dona, a senhora sabe fazer contas?

- Claro meu querido. Assusta-se com o que dissera, de onde este amor repentino que invade seu coração árido?

- Sabe o que é dona? É que eu não sei, eu queria aprender para poder trabalhar.

- Como assim? Assusta-se ela. És muito pequeno para trabalhar.

- É que tenho que ajudar em casa... Baixa o rostinho para esconder lágrimas incipientes e inconvenientes.

- Fala um pouco da tua vida meu pequeno...

- Meu pai bebe e minha mãe começou a cheirar, entende dona?

- Entendo. Tens irmãos?

- Estão todos na rua pedindo...

Helena pensa na sua vida confortável, na futilidade que se tornou a vida de algumas amigas, mais preocupadas em preservar uma eterna juventude, do que com os filhos adolescentes cada vez mais distanciados da família.

Agora a realidade literalmente bateu em sua face e ela está aturdida e emocionada.

Questiona toda a sua vida.

Ainda dá tempo? Pensa ela elevando a face para o céu esplendoroso de outono.

Uma borboleta que pousa no seu ombro é o sinal.

Pensa nas leis, na burocracia, na falta de políticas sociais adequadas, e toma a decisão.

- Eu te ensino a fazer contas e muito mais, tu queres?

Com o olhar antigo de quem já viu de tudo ele responde:

- Quero sim, dona.

- Então vem comigo, diz ela tomando a mãozinha pequena e fria nas suas aquecidas.

Nunca mais foram vistos.

A borboleta sabe.

Foram para um lugar onde as crianças estudam e brincam e são felizes.

Jeanne Geyer
Enviado por Jeanne Geyer em 24/06/2010
Reeditado em 24/06/2018
Código do texto: T2339211
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.