A senha.

Será a data de nascimento? Não, óbvio demais pensa ele enquanto tenta acessar o computador daquela que após vinte anos de casamento, fugira deixando um bilhete enigmático: descubra a senha do meu micro e na área de trabalho encontrarás um bilhete de despedida.

Será que até para abandoná-lo ela não podia ser igual às outras? Fazer cenas dramáticas, discutir a relação pela milésima vez, chamá-lo de canalha entre outros adjetivos menos nobres?

Não, ela saía de cena exatamente como entrara a quase trinta anos, altiva e enigmática.

Tenta colocar o número do edifício mais o número do apartamento.

Nada feito.

Esbraveja, sua muito e começa a desesperar. Ah, pensa ele, quem sabe a minha data de nascimento?

Nada mais uma vez.

Desgraçada!

Que seja infeliz para o resto de seus dias, isto já é uma tortura mental.

Lágrimas de dor, de desespero, de saudades escorrem pelo rosto marcado pela vida, pela relação conflituada, pelas adversidades que enfrentara ao lado dela. Sim, sempre estivera ao seu lado.

Começa a cantarolar uma música antiga que fala em estar sempre ao seu lado.

Chora de novo.

Maldita! Digita o dia e mês em que se conheceram, ainda lembra, por incrível que pareça.

Mais uma vez nada acontece.

Por um momento divaga lembrando o dia de sol em que a conhecera na biblioteca da faculdade, ele suando muito, os óculos caindo pelo nariz, olhara estupidamente a linda menina vasculhando as prateleiras. O coração acelera, o tempo pára.

Pensa que ela não caminha, ela desliza suavemente.

Apesar do calor, mostra na pele o frescor dos que não se deixam abater pelo clima nem pelos humores. Olhos azuis glaciais, como glacial seu sorriso lindo e ligeiro.

Ah, já sei, o dia da formatura dela! Fracassa de novo.

Totalmente tomado pelo ódio, pensa que ultimamente ela dera para tratá-lo com desprezo, nunca entendera esta atitude, amoroso e dedicado que sempre fora. Ingrata.

Todavia, a palavra desprezo parece martelar sua mente.

Devagar, e com medo, digita: D E S P R E Z O.

Bingo, eis que consegue acessar a área de trabalho.

Pensando bem, já não quer mais ler o bilhete.

Jeanne Geyer
Enviado por Jeanne Geyer em 23/06/2010
Reeditado em 21/06/2018
Código do texto: T2337109
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