O maior amor do mundo
Salma põe o belo vestido de formatura de lado sobre a cama. Olha o passaporte anexado à passagem de avião para a França, com certa desconfiança. Havia recebido de Leon na noite anterior, junto a uma proposta de viverem aquele amor tão tardio, longe de qualquer empecilho. Mas agora Salma se vê diante de uma grande dúvida.
Ela pega a passagem, confere o horário, a data e o lugar. Dá um suspiro abafado. Levanta-se e vai até a sacada da casa. Lá embaixo está o filho de Leon, um menino de um ano e meio, que brinca com o gato puxando-lhe o rabo, que, assustado, arranha-o no braço. O menino berra incessante. A mãe, desesperada põe a criança no colo e o leva para dentro, mas, antes, ela olha para a sacada e ameaça Salma com os olhos. Em seguida, some nos arbustos de sua casa.
Apesar de nervosa, Salma não leva em consideração o olhar crítico de Helena. Afinal, nem ela nem ninguém imagina o seu envolvimento com o charmoso Leon. Isso porque o que todos sabem é que Leon namora a espalhafatosa e vulgar Cassandra, irmã de mafiosos. No entanto, tudo aquilo está com os dias contados, pensa Salma. A romântica tem de tomar a sua decisão.
Ainda da sacada, ela olha o carro de Leon estacionado mais adiante na casa dos pais, supõe que ele ainda esteja em casa àquela hora da manhã. No instante seguinte, ela o vê apressado deixar o lar. Atrapalhado, derruba as chaves, apanha-as com impaciência. Quando ele levanta a cabeça abrindo a porta do luxuoso carro vermelho, ele a penetra com os olhos negros deixando-a encabulada e, por fim, lhe oferece o mais delicado soprriso que Salma pode receber.
Depois que ele se vai, Salma guarda com carinho a satisfação de saber que, enfim, é amada e desejada pelo homem da sua vida. Ao mesmo tempo que sente uma angústia dentro do peito ao saber que aquele amor tem um preço alto demais para aqueles dois amantes.
De repente veio à mente como forma de flas-back os últimos cinco anos. Tempo em que manteve em segredo a paixão avassaladora que nutria por Leon. No quanto se sentia feia e desajeitada. Nada comparado às mulheres sedutoras com quem ele se relacionava. Salma não era a mulher fatal com as quais ele costumava sair na faculdade. Ela era mais do tipo nerd e virgem. Sendo que os rapazes nunca olhavam para ela, nem mesmo Leon, objeto de desejo de 99,9% das mulheres que ela conhecia. Inclusive Salma.
Ao se passarem três anos na faculdade, Leon tranca seu curso de Engenharia para se casar com Helena. Têm o primeiro filho, Ryan, e vão morar ao lado de sua casa, tornando-se dia a dia um suplício vê-los serem uma família feliz.
Apesar da má-fama de conquistador barato, Leon era o símbolo mais impecável e duvidoso de marido e pai perfeito. Impossível de acreditar em relação a ele.
A pobre Salma soube conviver com a ideia de tê-lo perdido para sempre, e, quando se acostumara, o casamento perfeito tem fim em meio a escândalos e intrigas vindas de todas as partes. Provando que tudo não passava de farsa, fingimento de ambos. Trazendo à tona um casamento forçado e sem amor. A união durara quase dois anos. Leon saía de casa, voltando para o conforto do pai/padrasto. Havendo como ponto de ligação um filho com a ex-esposa.
Salma tinha o dever de ficar feliz com a separação, mas não ficou. Um lar estava desfeito. Ela já provara daquilo. E um lar assim, era penoso para os pais e os filhos principalmente. Não era do feitio de Salma alegrar-se com a desgraça dos outros. Aliás, Helena também era vítima do destino tanto quanto ela. Ambas sofriam de amor pelo mesmo homem.
Não demorara muito para que Leon estivesse envolvido com outra mulher. Também pudera, fragilizado como ele estava, só podia se envolver com mulheres do tipo Cassandra: dissimulada e cínica.
Para Leon, não era fácil deixar a família do dia para a noite. Sua condição de boêmio se multiplicara mais do que na faculdade. Ele encontrara em Cassandra a aproximação do precipício. Foi então que Salma entrou na história, onde até então, ela era expectadora, não personagem.
Desesperada, uma noite Salma o levou para a própria casa. Depois de beber num bar, Leon pegou o carro, dirigiu em alta velocidade e bateu numa árvore. Ficara inconsciente. Quando acordou e deu-se conta dos fatos, Leon sentiu-se envergonhado. Ele havia se colocado na pior das situações, na mais humilhante.
Ouvindo-o se lamentar da própria desgraça, Salma fê-lo se lembrar do filho. De quanto o próprio Ryan necessitava do pai. Em resposta, ele riu. Um riso fácil e sincero. O mais bonito, pensou Salma. Quando parou com a risada, ele a estudou por um instante. Foi como se naquele momento ele a houvesse percebido. Não pela beleza física, pois ela não possuía, mas pelo que viu de dentro para fora. Claro que ele se lamentou por nunca ter visto em seus olhos aquele amor tão sincero que ela soubera esconder tão bem.
Ela o amava. Ele podia ver em seus olhos e sentir.
Daquele dia em diante, após ter estado nos braços do homem que ela tanto amava, Salma deixara o lado nerd um pouco de lado, pelo menos enquanto estivesse com ele; já o fato de ser virgem, era um assuinto à parte...
Desde então, ambos viviam secretamente longas noites de paixão, entre juras eternas de amor.
Ao voltar a si e dar-se conta do presente, Salma olha novamente o vestido de formatura, vira-se para a mesa de cabeceira, vê a passagem e o passaporte com excitação. Pensa na França. No quão belo seria viver aquele amor pelas ruas de Paris, Nice, Cannes... E ao mesmo tempo, pensa em si própria, na família, a mãe em especial, os amigos. Os poucos amigos, aliás. E por fim pensa em Ryan, em Helena... Leon. Na segunda chance, caso um dia eles viessem a ter. Ou se Helena seria para sempre o empecilho para que eles pudessem assumir aquele sentimento ali mesmo, no próprio país.
Ela conhecia Helena, não muito diferente de Cassandra. Capaz das piores barbaridades para conseguir o almejado.
E, sentindo-se tão egoísta, lembrou-se de Cassandra também. Ela não ia gostar de perder aquele homem para uma sem-sal e magricela como Salma.
Cassandra tinha irmãos mafiosos. Gente da pesada. Poderiam encontrá-los aonde quer que fossem. Fugir seria fácil, difícil seria esconderem-se. Iriam à procura deles, usariam suas famílias para pressioná-los de alguma forma. Poriam as mãos sujas em cima do pequeno Ryan. Assim mexeriam com o subconsciente mais profundo de Leon e o fariam desistir de tudo... daquele amor. Sendo que Salma seria a primeira a fazê-lo pensar no único filho.
Não, não podia deixar que o pior acontecesse a inocentes. Não queria viver eternamente se culpando ou vendo o arrependimento nos olhos de Leon em nome daquele amor... Mesmo que fosse o maior amor do mundo...
Baseado numa história verídica
Marciela Taylor
Em dedicatória à amiga Liliane