Amor intenso de Andrei, Morte súbita de Isabelle

Por durante anos, Isabelle foi minha única e verdadeira amiga. Fazíamos de um, tudo. Desde o balé ao dever de casa.

Lembro-me que foi na sua companhia que dei o primeiro beijo. Assim como chorei a morte de Ross, minha cadelinha poodle.

Aos treze, fizemos um pacto: nunca uma iria substituir a outra em toda a vida. Mas um dia, não muito distante, o pacto foi rompido. Isso mesmo. Deixamos de ser tão amigas.

Foi mais ou menos no Colegial. Era escola nova. Amigos novos. Gente de todo tipo” Isabelle começou a sair com um carinha chamado Andrei. Meio metidinho pro meu gosto. Marrento. Popular também, coisa que chamou muito a atenção dela.

No início, fiquei com ciúme. Normal. Aos poucos, dei-me conta da acelerada distância que ficou entre nós. Estava perdendo minha melhor amiga!

Por mais que eu implicasse com Andrei, mais via nele uma fisionomia de apaixonado e atraído por ela. E vice-versa. Mas era culpa dele, que eu havia ficado sem Isabelle. A primeira vez desde que me lembrasse do início da nossa amizade.

Andrei tinha a ficha limpa no colégio. Era rebelde, sim. Porém, admirado e seguido por muitos na instituição. Era mineiro, havia chegado há pouco de Uberaba, os pais haviam se separado. Norava com a mãe.

Começaram a namorar. Andavam de mãos dadas e tudo. Nem me notavam no refeitório invejando tudo aquilo tão perfeito. Por um minuto, eu queria ser Isabelle. No segundo seguinte, eu a odiava por ter me abandonado por um maldito forasteiro que só a fazia chorar...

Eu explico: às vezes, eu os seguia pelas dependências do colégio. Via eles se amando muito. Até trocando juras de amor. Noutras, via-os se agredindo com palavras. Quase sempre Andrei levava a pior. Ao final das discussões, Isabelle o abraçava aos prantos, pedindo a ele coisas sem sentido. Como não deixá-la morrer.

Eu via em Isabelle uma constante mudança comportamental. Que, por sinal, eram nítidas e transparentes. Quase que um pedido de socorro!

Ora estava feliz ao ponto de chegar em extremo estado de êxtase, ora melancólica, ar sofrido, depressiva. No entanto, desapareciam quando ela encontrava conforto nos braços fortes do namorado.

Era em momentos como aqueles que me batia um desespero. Uma mistura de ódio, por estar perdendo-a para um desconhecido, com impotência por vê-la sofrer sem ampará-la como de costume.

Um dia tomei coragem. Reivindiquei sua postura de amiga. Aliás, tínhamos um pacto. Ela tinha de cumprir. Não era justo! Como resposta, ela retrucou:

- Não sou amiga de quem inveja a minha felicidade! - disse, histérica, de performance pálida.

Quanta imaturidade!, pensei. Meu Deus, logo Isabelle, tão inteligente, no ápice da juventude, fazendo um papel tão mal-atuado da própria adolescência. Que loucura achar uma coisa daquelas! Logo de Laila, sua melhor amiga...

Eu poderia ter me chateado. Dito que ela estava sendo egoísta e falsa-amiga. Porém, foi naquele instante que pude perceber o quanto Isabelle precisava da minha amizade. A amiga que eu conhecia jamais teria agido daquela forma.

No dia seguinte, procurei Andrei.

Era domingo, sol forte, dia agitado. Marquei um almoço. De imediato, ele aceitou. Com certa desconfiança, confesso. Questionou o motivo do encontro. Mantive em sigilo. Não queria falar ao telefone, apenas reforcei a urgência do assunto. Melhor que ele não faltasse, exigi.

Cheguei com antecedência. Estava sentindo um medo inexplicável. Vi-o chegar meio excitado, rosto expressando inquietude. Os olhos azuis da cor do mar me fitavam com desconfiança, assim como a cautela em minha direção. Sem delengas, fui ao assunto: Isabelle. Perguntei o motivo das atitudes incoerentes que ela havia tendo.

Por um instante, vi nele uma expressão confusa. Um olhar distante. Quis ler cada palavra que ele escolhia com cuidado para me responder. Quando ele se dispôs a falar, confesso que quase gritei para que ele parasse de dizer tudo aquilo.

- Faz pouco tempo que ela descobriu que tem tumor no cérebro – disse ele. Cada palavra, um pesar.

- Isso mesmo, Laila: Isabelle tem pouco tempo de vida. - A voz era rouca e sofrida.

- Ela só tá com medo de morrer. Quanto a você, ela sabe que vai cumprir o pacto, ela não. Mas antes ela pensa que dando espaço para você, talvez você encontre amigas tão boas quanto ela. Assim – continuou ele – quando ela se for, você não terá sofrido tanto com sua partida.

Puxa, eu fiquei ali, sentada, ouvindo tudo. Cada palavrinha, com terror absoluto. Absorvendo tudo aquilo como pregos.

Choque? O maior da minha vida.

Ficamos em silêncio prolongado. Vontade de chorar? Claro, foi inevitável, assim como gritar, xingar... fugir dali, daquela verdade sobre Isabelle.

- Ela pderia ter me contado – consegui dizer. - Você ela mal conhece. Eu sou sua melhor amiga... Por quê?

- Ela ama mais a você como amiga do que a mim como namorado. Isso responde a sua pergunta?

Fiquei ruborizada.

- Isabelle quis me poupar? - Indaguei, espantada.

Ele meneou a cabeça, dizendo que sim.

Ficamos nos fitando ininterruptamente. Cada um estudando a dor do outro. Imaginando quem sofria mais.

O garçom trouxe o cardápio, enfim nos percebeu. Javier Deggust era sempre muito movimentado e de péssimo atendimento. O que fazia valer a pena era a ótima comida.

Enquanto olhava o menu, pensava em Isabelle. O que Andrei dissera, vinha como bomba à minha mente.

“Câncer no cérebro”. “Morte”. “Pacto”. “Morte”. “Melhores amigas”. “Morte”. “Isabelle”. “Morte”. “Medo da morte”... “Morte”, eu repetia.

Fiz o pedido. Andrei pediu o mesmo. Comemos calados. Naquele dia, saí dali perplexa. Morrendo porque Isabelle morria. Sofrendo, porque ela sofria. Feliz porque ela havia descoberto o amor antes de morrer.

Ela amava Andrei. E Andrei amava-a. Isabelle estava agarrada àquele amor como única forma de esquecer a morte. Graças àquele amor tão grande, forte e intenso, ela lutava por mais um dia.

Cinco meses depois ela se foi. Seu medo de morrer fora em vão. Porque cada pessoa é insubstituível, independentemente de um pacto!

Marciela Taylor ( Marciela Rodrigues dos Santos)

Em dedicatória à amiga Liliane.

Marciela Taylor
Enviado por Marciela Taylor em 20/06/2010
Reeditado em 20/06/2010
Código do texto: T2330364
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