Delírios febris
Acordo. O dia está claro. Parece até domingo. Entretanto é quinta-feira. Como feriado, lembrava um domingo.
Dia calmo. Nada de especial para fazer.
Acordo sem o menor resquício de sono. Devo ter tido uma noite ótima e reconfortante. Janela aberta, percebo o sol brilhando.
A manhã já se adianta no tempo, e são agora mais de dez horas.
Reparo um dos meus gatos. A Bianca encontra-se estrategicamente colocada, ao longo da cama. Toda relaxada, de barriga para cima, deixa a mostra aquele castanho mais claro dos pelos de sua barriga. Ela é uma siamesa, e aproveita os raios de sol para se aquecer.
É estranho! O sol também incidia sobre minhas pernas, mas não sentia o calor natural destes raios sobre mim.
É final do outono. O calor marcante do verão já se foi, faz algum tempo. Imagino que estes raios de sol, já identifiquem a chegada do inverno, onde a luz solar passa a incidir sobre o nosso hemisfério, bem mais tangencialmente, o que diminui, em muito, a irradiação direta do calor.
É uma sensação diferente, mas sequer imaginava o que ainda estava por vir.
Vou até a janela do meu quarto. Aberta, me permite uma visão muito boa do centro do Rio de Janeiro. Prédios da Avenida Rio Branco, e da Avenida Chile, são facilmente identificáveis.
Resido no início da subida de Santa Tereza, no lado da encosta voltada para o centro do Rio.
Anos, e anos a fio, observei algumas alterações na paisagem urbana desta parte da cidade, com uma razoável construção de novos prédios.
Ao chegar a janela, naturalmente observo o reflexo do sol, ao longe, cobrindo os prédios com uma aura de brilho próprio. Percebo, espantado, dois fatos muito estranhos.
O primeiro: Ocorreram alterações de localização física em alguns prédios. Como!?
Segundo, havia uma nuvem intrigantemente localizada.
Eu sei, parece loucura, mas foram anos contínuos observando a ocupação espacial destes prédios, em especial, na Avenida Chile. O prédio da Petrobras, famoso pelo seu projeto arquitetônico arrojado para a época, sempre ocupou o primeiro plano, em minha perspectiva de visão dos prédios do lado direito, de onde observo, da Avenida Chile.
Aquele prédio é marca registrada daquela paisagem de concreto. Sua imagem foi parte destacada, inclusive, de introduções de novelas famosas.
Eu não tinha a menor dúvida de que algo notavelmente estranho, e por isso muito intrigante, estava ocorrendo. Agora, neste exato instante, havia um outro prédio ocupando um espaço físico, em uma posição anterior ao prédio da Petrobras, tomando a janela do meu quarto como origem da observação.
Balanço a cabeça. Esforço-me para conceber mentalmente aquela imagem, como a percebia até ontem. Por uns momentos fico na dúvida se aquela nova construção, não estaria do outro lado da Avenida Chile, e por alguma razão, estivesse sofrendo de alguma distorção na imagem.
Poluição, umidade ou sono poderiam estar distorcendo minha visão.
Sono! Nem de longe sentia. Poluição ou umidade! Nada de poluição, e o dia estava super normal. Era um dia bem claro, e o fator de transparência do ar parecia total. Não fosse por uma única nuvem, poderíamos definir ambiente espacial, como um céu de brigadeiro.
Agitei a cabeça algumas vezes. Pisquei os olhos outras inúmeras vezes. A imagem parecia real. Como poderia ser?
Neste esforço de observar todos os detalhes, tentando entender o porquê daquilo, percebo melhor uma inconsistência na paisagem.
Não obstante o dia estar limpo. Percebi sobre o início da Avenida Chile, parecendo cobrir toda a Rua do Lavradio, posicionada ao lado direito de minha nítida paisagem, uma nuvem baixa, clara, mas aparentemente densa.
Esta nuvem não deveria estar ali. Céu de brigadeiro, de um azul disfarçadamente tendendo para um suave purpúreo. Era um dia magistral.
Como uma nuvem, densa, poderia ocupar aquela posição tão baixa?
Aos poucos, percebia que a nuvem se comportava como um contínuo turbilhão de movimentos internos. Ela parecia se comportar como um sorvedouro contínuo, que absorvia para o seu interior, em constante turbilhão, sua porção exterior. A nuvem se comportava, como se nova nevoa, se formasse continuamente, do nada, e mantivesse assim, mais ou menos, constante o volume final ocupado por ela.
O mais curioso e estranho, era que apesar daquela nuvem aparentar ser densa, ela não gerava sombras sobre os prédios. Ela se comportava como se fosse totalmente transparente aos raios solares.
Tomando-se como referencia os prédios, as ruas e calcadas, e tudo o mais, a incidência solar parecia normal. Era como se o céu estivesse totalmente limpo, livre de nuvens. Porem bastava levantar um pouco mais o olhar, e lá estava aquela nuvem, imóvel. Mantinha-se imóvel, porem em sua turbulenta agitação, como que estivesse continuamente a se consumir.
Era demais! Uma combinação de medo e de total incompreensão tomava conta de mim.
Retorno o olhar para a cama, e agora meus dois gatos, a Bianca e o vira-latas Elvis, parecem assustados. Parecem procurar algo que os incomoda. Parecem não encontrar o que procuram.
Como estava assustado com o que vira de minha janela, não dei muita atenção ao comportamento estranho dos felinos.
Decido lavar meu rosto, como se um pouco de água fosse a solução para aquele mistério.
Vou até o banheiro. Era um dia claro e não preciso acender as luzes.
Chego em frente ao espelho do armário do banheiro e..., e..., e nada!!!
O medo é agora encorpado com um susto inesperado.
Olho de novo para o espelho e nenhuma imagem minha é refletida nele.
O espelho está lá, perfeito. Ele reflete as paredes, tanto atrás de mim, quanto ao meu lado direito. Vejo pelo espelho as toalhas penduradas, amarrotadas pelo banho de ontem.
Não pode ser! O que estará acontecendo?
Em um reflexo automático procuro lavar o rosto. Levo as mãos até a torneira, elas lá estão. Tento pega-las e nada!
Minhas mãos não conseguem tocar as torneiras. Elas simplesmente atravessam, sem nenhum contato ou atrito com as torneiras do lavatório.
Por uns instantes, sinto-me perdendo o equilíbrio. O susto foi grande. Busco me apoiar na parede ao meu lado esquerdo, e acabo atravessando esta.
Entro em desespero. Não sei mais o que está acontecendo. O que será tudo isto?
Estou dormindo, deve ser um sonho. Algum pesadelo, penso eu. Como em todos os filmes e estórias, tento me beliscar, acreditando que assim poderia me certificar que estou dormindo. Bato em meu rosto. Materialmente não existo. Não consigo me tocar.
Socorro, quero gritar por ajuda. Esforço-me, grito, berro. Arrebento-me em gritos, e parece que ninguém me ouve.
Percebo que não adianta gritar. Não sendo material, não produzo som audível algum.
Os gatos estavam estranhos, em decorrência a alguma sensibilidade que possuem. Eles, com certeza, não entendem o que se passa.
Morri! Penso instintivamente eu.
Corro para o quarto para ver meu corpo. Ele não está lá.
Como! Como ele não está lá!
Reviro todo meu apartamento. Ele é pequeno. Meu corpo não se encontra em lugar algum.
Resolvo procurar pelo prédio todo, pelos corredores, e não encontro nem sombra de meu corpo. O mais assustador, é que não encontro viva alma. Visinhos, amigos, visitantes, nada. Vou até a rua. Ninguém descendo ou subindo Santa Teresa!
Quanto aos animais, estes pareciam normais. Alem dos meus gatos, encontrei cachorros e pássaros. Até o ninho da pomba rola, na base de meu ar condicionado, estava lá.
Nenhuma pessoa em contraste com todos os bichos.
Como?
Enquanto passava pelos apartamentos e casas, percebia que rádios e televisões que deveriam estar passando programação ao vivo, estavam recebendo apenas sinais de estática eletromagnética. Agora os que estavam transmitindo programações gravadas, tipo filmes ou documentários, estavam operando normalmente.
Todas as pessoas sumiram!
Apenas eu existia. Melhor dizendo, como pessoa, nem eu existia.
Aquela nuvem. Aquela miserável nuvem. Só podia ser coisa dela.
Saí correndo, e fui velozmente de Santa Tereza até a Avenida Chile. Lá chegando, nenhum sinal de cansaço havia em mim. Como?
Pessoas! Nenhuma.
Uma cidade fantasma. Toda minha. Desesperante! Que desgraça é esta?
O Rio de Janeiro é lindo, mas o Rio é também a energia da sua população. Cadê todo mundo?
Olho para cima, e lá está aquela desgraçada nuvem. Que ódio. Que vontade de destruí-la. Tinha a certeza que ela era a culpada por tudo isto.
Como seria bom se eu pudesse chegar próximo a ela. Tentar estudá-la. Não tenho mais nada a fazer. Todos desapareceram. Viver, ou seja lá o que for que eu esteja experimentando, naquele mundo frio, não era mais necessário.
Desejava me aproximar da nuvem, e comecei a levitar, e a me dirigir até ela.
Como!
Decidi então contornar aquela nuvem. Como em um passe de mágica, estava circulando-a. Momentos mais próximo daquela nuvem, momentos mais afastado dela, oras mais rápido, oras mais lentamente. Dependia apenas de minha vontade.
O interessante era que de quaisquer perspectivas que eu a observasse, ela tinha uma mesma característica: Densa, branca, e parecia de uma revoltosa agitação continua.
Resolvi procurar, pelo Rio de Janeiro, vestígios de pessoas.
Uma vez que levitava, sobrevoei minha cidade, em especial, as zonas centro, tijuca, sul e oeste. Não encontrei um só ser humano. Animais, encontrei diversos.
Mesmo assustado com o fato, não pude deixar de perceber como esta cidade era bonita. Como ela era encantadora.
Retornando para aquela esdrúxula nuvem, circulei-a mais algumas vezes, observando-a de perto, e ela irradiava algo de mistério.
Dividia-me em observar aquele misterioso corpo nebuloso, e a beleza de nossa cidade.
Como não tivesse nada mais a perder, resolvi experimentar entrar naquela nevoa misteriosa.
Conforme dela me aproximava, era como se um portal misterioso estivesse se abrindo.
Neste momento não havia mais medo que me detivesse. Acabei sendo tragado, junto com a turbulência, sendo arrastado para o centro daquela desordem.
Enquanto transitava pela complexa turbulência, percebi claramente que estava transitando entre dois diferentes mundos. O que eu estava ocupando, não era o meu mundo original, muito menos era um mundo paralelo, ou mesmo alguma dimensão superior.
Naquele momento parecia tão somente um mundo mental. Na outra extremidade deste portal, conseguia perceber meu mundo real. Era como se eu sentisse todo drama de nosso mundo, ali latente.
Quanto mais me aproximava de meu mundo real, mais me afastava daquele mundo surreal.
Enquanto a turbulência fazia seu papel de me forçar o transito entre estas duas realidades, sentia crescer em mim algo de irreal.
Em algum momento desta viagem alucinante que experimentava, percebo que não sou real. Participava de uma alucinação transitória. Percebia que na outra extremidade estava o meu eu real, ardendo em febre.
Na extremidade da viagem, quanto mais me aproximava da estação final, menos conseguia observar do que acontecia a minha volta.
Começava agora a me sentir delirando. Ouvia vozes. Sentia água fria contrastando com meu corpo que ardia em febre. Porém, felizmente, estava de novo unificado com a consciência do meu ser.
Sem saber exatamente o porquê, as ações que tomavam para comigo, estavam conseguindo domesticar aquele estado febril. Aos poucos recobrava o controle de minha consciência.
Aos poucos, tinha a febre controlada, e recuperava totalmente minha normalidade.
Havia sido acometido de um surto extremamente forte de febre, decorrente de um estado viral.
Recuperado, coloquei-me a refletir sobre o que me ocorrera. Jamais saberei ao certo, se nossa mente possui algum tipo de ligação com realidades excêntricas de existência etérea, ou se teriam sido apenas imagens construídas em meu subconsciente.
Agora, o porquê daquele prédio ter tido sua localização alterada, será uma eterna incógnita.
Quanto aos seres humanos, abriu-me a certeza que haveria de ser mais participativo na luta pelo respeito a uma sociedade mais digna, onde a natureza, simbolizada nas imagens, pela beleza do nosso Rio de Janeiro, deva também ser respeitada e resguardada.
Acordo. O dia está claro. Parece até domingo. Entretanto é quinta-feira. Como feriado, lembrava um domingo.
Dia calmo. Nada de especial para fazer.
Acordo sem o menor resquício de sono. Devo ter tido uma noite ótima e reconfortante. Janela aberta, percebo o sol brilhando.
A manhã já se adianta no tempo, e são agora mais de dez horas.
Reparo um dos meus gatos. A Bianca encontra-se estrategicamente colocada, ao longo da cama. Toda relaxada, de barriga para cima, deixa a mostra aquele castanho mais claro dos pelos de sua barriga. Ela é uma siamesa, e aproveita os raios de sol para se aquecer.
É estranho! O sol também incidia sobre minhas pernas, mas não sentia o calor natural destes raios sobre mim.
É final do outono. O calor marcante do verão já se foi, faz algum tempo. Imagino que estes raios de sol, já identifiquem a chegada do inverno, onde a luz solar passa a incidir sobre o nosso hemisfério, bem mais tangencialmente, o que diminui, em muito, a irradiação direta do calor.
É uma sensação diferente, mas sequer imaginava o que ainda estava por vir.
Vou até a janela do meu quarto. Aberta, me permite uma visão muito boa do centro do Rio de Janeiro. Prédios da Avenida Rio Branco, e da Avenida Chile, são facilmente identificáveis.
Resido no início da subida de Santa Tereza, no lado da encosta voltada para o centro do Rio.
Anos, e anos a fio, observei algumas alterações na paisagem urbana desta parte da cidade, com uma razoável construção de novos prédios.
Ao chegar a janela, naturalmente observo o reflexo do sol, ao longe, cobrindo os prédios com uma aura de brilho próprio. Percebo, espantado, dois fatos muito estranhos.
O primeiro: Ocorreram alterações de localização física em alguns prédios. Como!?
Segundo, havia uma nuvem intrigantemente localizada.
Eu sei, parece loucura, mas foram anos contínuos observando a ocupação espacial destes prédios, em especial, na Avenida Chile. O prédio da Petrobras, famoso pelo seu projeto arquitetônico arrojado para a época, sempre ocupou o primeiro plano, em minha perspectiva de visão dos prédios do lado direito, de onde observo, da Avenida Chile.
Aquele prédio é marca registrada daquela paisagem de concreto. Sua imagem foi parte destacada, inclusive, de introduções de novelas famosas.
Eu não tinha a menor dúvida de que algo notavelmente estranho, e por isso muito intrigante, estava ocorrendo. Agora, neste exato instante, havia um outro prédio ocupando um espaço físico, em uma posição anterior ao prédio da Petrobras, tomando a janela do meu quarto como origem da observação.
Balanço a cabeça. Esforço-me para conceber mentalmente aquela imagem, como a percebia até ontem. Por uns momentos fico na dúvida se aquela nova construção, não estaria do outro lado da Avenida Chile, e por alguma razão, estivesse sofrendo de alguma distorção na imagem.
Poluição, umidade ou sono poderiam estar distorcendo minha visão.
Sono! Nem de longe sentia. Poluição ou umidade! Nada de poluição, e o dia estava super normal. Era um dia bem claro, e o fator de transparência do ar parecia total. Não fosse por uma única nuvem, poderíamos definir ambiente espacial, como um céu de brigadeiro.
Agitei a cabeça algumas vezes. Pisquei os olhos outras inúmeras vezes. A imagem parecia real. Como poderia ser?
Neste esforço de observar todos os detalhes, tentando entender o porquê daquilo, percebo melhor uma inconsistência na paisagem.
Não obstante o dia estar limpo. Percebi sobre o início da Avenida Chile, parecendo cobrir toda a Rua do Lavradio, posicionada ao lado direito de minha nítida paisagem, uma nuvem baixa, clara, mas aparentemente densa.
Esta nuvem não deveria estar ali. Céu de brigadeiro, de um azul disfarçadamente tendendo para um suave purpúreo. Era um dia magistral.
Como uma nuvem, densa, poderia ocupar aquela posição tão baixa?
Aos poucos, percebia que a nuvem se comportava como um contínuo turbilhão de movimentos internos. Ela parecia se comportar como um sorvedouro contínuo, que absorvia para o seu interior, em constante turbilhão, sua porção exterior. A nuvem se comportava, como se nova nevoa, se formasse continuamente, do nada, e mantivesse assim, mais ou menos, constante o volume final ocupado por ela.
O mais curioso e estranho, era que apesar daquela nuvem aparentar ser densa, ela não gerava sombras sobre os prédios. Ela se comportava como se fosse totalmente transparente aos raios solares.
Tomando-se como referencia os prédios, as ruas e calcadas, e tudo o mais, a incidência solar parecia normal. Era como se o céu estivesse totalmente limpo, livre de nuvens. Porem bastava levantar um pouco mais o olhar, e lá estava aquela nuvem, imóvel. Mantinha-se imóvel, porem em sua turbulenta agitação, como que estivesse continuamente a se consumir.
Era demais! Uma combinação de medo e de total incompreensão tomava conta de mim.
Retorno o olhar para a cama, e agora meus dois gatos, a Bianca e o vira-latas Elvis, parecem assustados. Parecem procurar algo que os incomoda. Parecem não encontrar o que procuram.
Como estava assustado com o que vira de minha janela, não dei muita atenção ao comportamento estranho dos felinos.
Decido lavar meu rosto, como se um pouco de água fosse a solução para aquele mistério.
Vou até o banheiro. Era um dia claro e não preciso acender as luzes.
Chego em frente ao espelho do armário do banheiro e..., e..., e nada!!!
O medo é agora encorpado com um susto inesperado.
Olho de novo para o espelho e nenhuma imagem minha é refletida nele.
O espelho está lá, perfeito. Ele reflete as paredes, tanto atrás de mim, quanto ao meu lado direito. Vejo pelo espelho as toalhas penduradas, amarrotadas pelo banho de ontem.
Não pode ser! O que estará acontecendo?
Em um reflexo automático procuro lavar o rosto. Levo as mãos até a torneira, elas lá estão. Tento pega-las e nada!
Minhas mãos não conseguem tocar as torneiras. Elas simplesmente atravessam, sem nenhum contato ou atrito com as torneiras do lavatório.
Por uns instantes, sinto-me perdendo o equilíbrio. O susto foi grande. Busco me apoiar na parede ao meu lado esquerdo, e acabo atravessando esta.
Entro em desespero. Não sei mais o que está acontecendo. O que será tudo isto?
Estou dormindo, deve ser um sonho. Algum pesadelo, penso eu. Como em todos os filmes e estórias, tento me beliscar, acreditando que assim poderia me certificar que estou dormindo. Bato em meu rosto. Materialmente não existo. Não consigo me tocar.
Socorro, quero gritar por ajuda. Esforço-me, grito, berro. Arrebento-me em gritos, e parece que ninguém me ouve.
Percebo que não adianta gritar. Não sendo material, não produzo som audível algum.
Os gatos estavam estranhos, em decorrência a alguma sensibilidade que possuem. Eles, com certeza, não entendem o que se passa.
Morri! Penso instintivamente eu.
Corro para o quarto para ver meu corpo. Ele não está lá.
Como! Como ele não está lá!
Reviro todo meu apartamento. Ele é pequeno. Meu corpo não se encontra em lugar algum.
Resolvo procurar pelo prédio todo, pelos corredores, e não encontro nem sombra de meu corpo. O mais assustador, é que não encontro viva alma. Visinhos, amigos, visitantes, nada. Vou até a rua. Ninguém descendo ou subindo Santa Teresa!
Quanto aos animais, estes pareciam normais. Alem dos meus gatos, encontrei cachorros e pássaros. Até o ninho da pomba rola, na base de meu ar condicionado, estava lá.
Nenhuma pessoa em contraste com todos os bichos.
Como?
Enquanto passava pelos apartamentos e casas, percebia que rádios e televisões que deveriam estar passando programação ao vivo, estavam recebendo apenas sinais de estática eletromagnética. Agora os que estavam transmitindo programações gravadas, tipo filmes ou documentários, estavam operando normalmente.
Todas as pessoas sumiram!
Apenas eu existia. Melhor dizendo, como pessoa, nem eu existia.
Aquela nuvem. Aquela miserável nuvem. Só podia ser coisa dela.
Saí correndo, e fui velozmente de Santa Tereza até a Avenida Chile. Lá chegando, nenhum sinal de cansaço havia em mim. Como?
Pessoas! Nenhuma.
Uma cidade fantasma. Toda minha. Desesperante! Que desgraça é esta?
O Rio de Janeiro é lindo, mas o Rio é também a energia da sua população. Cadê todo mundo?
Olho para cima, e lá está aquela desgraçada nuvem. Que ódio. Que vontade de destruí-la. Tinha a certeza que ela era a culpada por tudo isto.
Como seria bom se eu pudesse chegar próximo a ela. Tentar estudá-la. Não tenho mais nada a fazer. Todos desapareceram. Viver, ou seja lá o que for que eu esteja experimentando, naquele mundo frio, não era mais necessário.
Desejava me aproximar da nuvem, e comecei a levitar, e a me dirigir até ela.
Como!
Decidi então contornar aquela nuvem. Como em um passe de mágica, estava circulando-a. Momentos mais próximo daquela nuvem, momentos mais afastado dela, oras mais rápido, oras mais lentamente. Dependia apenas de minha vontade.
O interessante era que de quaisquer perspectivas que eu a observasse, ela tinha uma mesma característica: Densa, branca, e parecia de uma revoltosa agitação continua.
Resolvi procurar, pelo Rio de Janeiro, vestígios de pessoas.
Uma vez que levitava, sobrevoei minha cidade, em especial, as zonas centro, tijuca, sul e oeste. Não encontrei um só ser humano. Animais, encontrei diversos.
Mesmo assustado com o fato, não pude deixar de perceber como esta cidade era bonita. Como ela era encantadora.
Retornando para aquela esdrúxula nuvem, circulei-a mais algumas vezes, observando-a de perto, e ela irradiava algo de mistério.
Dividia-me em observar aquele misterioso corpo nebuloso, e a beleza de nossa cidade.
Como não tivesse nada mais a perder, resolvi experimentar entrar naquela nevoa misteriosa.
Conforme dela me aproximava, era como se um portal misterioso estivesse se abrindo.
Neste momento não havia mais medo que me detivesse. Acabei sendo tragado, junto com a turbulência, sendo arrastado para o centro daquela desordem.
Enquanto transitava pela complexa turbulência, percebi claramente que estava transitando entre dois diferentes mundos. O que eu estava ocupando, não era o meu mundo original, muito menos era um mundo paralelo, ou mesmo alguma dimensão superior.
Naquele momento parecia tão somente um mundo mental. Na outra extremidade deste portal, conseguia perceber meu mundo real. Era como se eu sentisse todo drama de nosso mundo, ali latente.
Quanto mais me aproximava de meu mundo real, mais me afastava daquele mundo surreal.
Enquanto a turbulência fazia seu papel de me forçar o transito entre estas duas realidades, sentia crescer em mim algo de irreal.
Em algum momento desta viagem alucinante que experimentava, percebo que não sou real. Participava de uma alucinação transitória. Percebia que na outra extremidade estava o meu eu real, ardendo em febre.
Na extremidade da viagem, quanto mais me aproximava da estação final, menos conseguia observar do que acontecia a minha volta.
Começava agora a me sentir delirando. Ouvia vozes. Sentia água fria contrastando com meu corpo que ardia em febre. Porém, felizmente, estava de novo unificado com a consciência do meu ser.
Sem saber exatamente o porquê, as ações que tomavam para comigo, estavam conseguindo domesticar aquele estado febril. Aos poucos recobrava o controle de minha consciência.
Aos poucos, tinha a febre controlada, e recuperava totalmente minha normalidade.
Havia sido acometido de um surto extremamente forte de febre, decorrente de um estado viral.
Recuperado, coloquei-me a refletir sobre o que me ocorrera. Jamais saberei ao certo, se nossa mente possui algum tipo de ligação com realidades excêntricas de existência etérea, ou se teriam sido apenas imagens construídas em meu subconsciente.
Agora, o porquê daquele prédio ter tido sua localização alterada, será uma eterna incógnita.
Quanto aos seres humanos, abriu-me a certeza que haveria de ser mais participativo na luta pelo respeito a uma sociedade mais digna, onde a natureza, simbolizada nas imagens, pela beleza do nosso Rio de Janeiro, deva também ser respeitada e resguardada.