Brisa baiana
Ela sempre dormia ouvindo música. Mesmo que fosse com um fone só. Para seu estranhamento, viu-se, de repente, numa sala a observar as fotografias acomodadas no balcão de madeira nobre. A jovem escritora desconfiava do ambiente, daquele ar ríspido, mas seguro. Quando o viu adentrar pela porta que divide sala e sacada, taquicardia na certa. Suas mãos estavam geladas e aos pingos. Sua boca secou e um sabor amargo substituiu o da goma de morango.
"Sente-se, fique à vontade", disse ele, com toda simpatia estampada em sua face. Ela obedeceu e acomodou-se. Ao retornar seu olhar àquele ser tão afável, ele já pousava o violão sobre a perna direita, com o carinho de um pai. Os versos começaram a aumentar sua taquicardia. "Ah, se a juventude que esta brisa canta, ficasse aqui comigo mais um pouco..." A escritora tentava raciocinar enquanto ouvia e sorria. Concluiu que era um de seus convidados para aquela noite, afinal, parecia ser o aniversário do anfitrião. Porém, o incômodo não a dispensava, pois eram somente os dois naquela sala de tons fortes nas almofadas.
E o destino resolve brincar mais um pouco com esse coração tão frágil. A luz do ambiente apaga-se e só resta, como iluminação, o pôr do sol. Que, alaranjado, parecia ter saltado das almofadas. Ele, porém, não intimidou-se. Soltou uma boa gargalhada e disse, à medida que trocava de sofá a fim de sentir aquela respiração sutilmente descompassada: "Não se assuste, tem acontecido muito disso por aqui. Parace que o governo resolveu brincar de esconde-escode no escuro". E riu-se mais uma vez. Seu violão, mais forte ainda, continuava e ele acompanhava: "Fica, ó brisa fica pois talvez quem sabe / O inesperado faça uma surpresa / E traga alguém que queira te escutar / E junto a mim queira ficar" . Por ter percebido a finalização da música, a taquicardia voltou a hospedar-se no miocárdio feminino.
Os olhares e sorrisos encontram-se. E permanecem, até que a luz retorna. Não sabiam ao certo quanto tempo ficaram naquela posição, sem piscar, como se estivssem a brincar. Mas haviam gostado. E muito.
Ele levantou-se, ligou seu aparelho de som na mesma música que havia tocado e estendeu a mão à escritora: "Vem dançar" - Ele soltou, sem nenhuma trava na língua ou no peito. Ela, seguiu o conselho. Percebeu que seu coração acalmara finalmente. E os olhares sugaram-se. À essa altura, estavam tão próximos a ponto de ela sentir a respiração do homem que há tanto tempo parecia por ela esperar. E afundou-se naquele mar que continha seus olhos, que possuíam uma mistura de cansaço e carinho. Ele correspondia a todos os sinais da bela escritora. "Que há comigo?" - Ele matutava com seu sotaque baiano, mesmo em pensamento.
Os lábios aproximaram-se, assim como os olhos que, desistindo de encarar-se, fecharam.
E, no momento exato em que ela podia sentir aquele corpo quente e confortável, 7h apontaram em seu despertador e acordaram-na. Acordou não aborrecida por ter sido acordada, mas feliz, porque havia vivido o melhor sonho até aquele dia.