Sr. Sereno

Hoje tirei o dia para falar de personagens da minha infância. Num outro conto falei de Primpéria Factual ou Primpéria I (e única desse nome em toda a minha memória). Agora inicio a história de Seo Sereno. Não inventei esse nome. Quando aqui chegamos, já o chamavam assim. Era também negro como Primpéria I só que enorme. Não sei se era devido a minha estatura de criança ou se realmente ele era grande. Não posso usar a meu pai como referência porque, meu velho era baixinho (aproximadamente 1,60m). Acredito que pelo tamanho dos pés que nunca estavam calçados por não haver numeração para eles (assim os adultos diziam), e pela cabeça de meu pai tocar-lhe abaixo dos seus ombros, deveria ter mais ou menos uns 2m de altura e pesar uns 130Kg. Realmente era um gigante aos meus olhos voltados no tempo.

Toda noite não muito tarde (é preciso lembrar, vivi minha infância durante a ditadura militar assoladora das repúblicas daqui da América Latina) ele vinha subindo a minha rua cantando. Como eram pouquíssimas as residências, ouvíamos a música mesmo à distância. Nunca consegui entender nada do que cantava. Era brasileiro, mas parecia estrangeiro porque sua dicção de quem bebia além da conta era indecifrável. Subia a rua e entrava num terreno baldio onde muitas vezes costumávamos brincar. Havia um caminho improvisado nesse tal terreno entre minha rua e a rua paralela mais ao alto. Ele chegava à sua rua embalado no seu próprio ritmo e nós ainda o ouvíamos.

Era realmente um sujeito de bom coração. Digo isso porque meu pai um dia chamou-o para conversar e ele o atendeu gentilmente. Lembro que achei aquilo engraçado e ao mesmo tempo fonte de grande orgulho para mim. Meu pai parecia uma criança perto dele, mas o poder de sua fala mesmo mansa era incrível e fazia até mesmo Seo. Sereno parar e ouvir. Penso que estavam resolvendo algum problema. Naquela época os adultos não davam muita ciência das suas conversas para as crianças. Porém eu deduzi que era um conselho do meu para o Seo Sereno.

Ainda hoje existem parentes dele vivendo em meu bairro. Já perguntei uma vez qual seu verdadeiro nome. Disseram-me, mas não o gravei. Só me importa lembrar de alguém alegre (ainda que de alegria etílica) subindo a rua em sua calça de bainhas desgastadas sempre de camisa de mangas dobradas ou de mangas curtas (Naquela época não era comum aos mais velhos usar camiseta).

Aprendi com ele, embora nunca tenhamos conversado, que vale levar a vida de maneira amena. Serenamente como sugeriam seus cabelos salpicados da neve dos tempos.

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 14/06/2010
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