Entre Irmãos: O Desaparecido (SEGUNDA PARTE)

- Hein? – A ligação havia caído. A voz que chamara por seu nome era tão familiar, pensou enquanto colocava o telefone no gancho novamente – alguém gritou pelo meu nome, Hanna, vamos esperar ligar outra vez – disse Carlos.

- Não podemos querido. Nosso trem para Oxford não demora a sair – falou a mulher que estava do outro lado do quarto, terminando a análise meticulosa do penteado de seus cabelos negros – além do mais, deve ter sido uma coincidência – neste momento já havia apanhado sua bolsa e puxava Carlos, que carregava as malas, para fora do quarto.

O cérebro pulsou uma vez. Analisou os dados. Mexeu-se um pouco, depois se contorceu e tentou outra vez. Por fim desistiu. Carlos concluiu que uma ligação onde o interlocutor chamava por seu nome e falava em português, mesmo ele estando em Londres, era algo meramente casual. Seguiu elevador abaixo e saiu do hotel com sua namorada. Encontrou o táxi esperando. Os ingleses eram realmente pontuais.

Duas quadras depois de saírem do hotel deram de cara com um veículo preto dobrando uma esquina em altíssima velocidade, que por pouco não acertou o táxi. Hanna comentou indignada para Carlos que até mesmo ali existiam estes loucos do trânsito, mas o assunto não passou muito deste comentário, por que logo depois começaram a planejar o próximo dia em Oxford.

*

Era um hotel. Fábio e Milton entraram primeiro, e passos decididos os levaram até a recepção. Alguns quilos de armas e aparatos de tortura estavam escondidos sob os sobretudos que vestiam. Conversaram por alguns minutos com a recepcionista, mas ela se negava com veemência em fornecer informações sobre hóspedes. A segurança já havia sido alertada, e um misto de homem com elefante, não estava muito claro, montou guarda ao lado do balcão. Neste momento, do lado de fora, Pietro já havia fumado um cigarro e começava a demonstrar sinais que variavam da impaciência à agressividade. Cuspiu no chão. Andou de um lado para o outro da porta, achou o soco-inglês no bolso e entrou no hotel.

- AINDA ESTÃO AÍ? – berrou Pietro ao notar todos parados.

- Lamento senhores, mas vou pedir para que se retirem agora mesmo– disse o segurança dando um passo a frente e segurando os dois que estavam no balcão pelo braço.

Pietro mudou de tática no último instante. Chegou de mansinho usando a velha história do “espera só um minutinho, eu quer...” e aplicou um murro certeiro no queixo do grandalhão. Um golpe, uma vítima. O alvo do direto simplesmente desmoronou. Depois disso, a recepcionista concordou em fornecer qualquer tipo de informação, e revelou que o homem procurado por eles havia saído a pouco tempo, acompanhado de uma mulher. O registro do hotel informava seu nome: Hanna. Havia outro detalhe. Mais cedo, ligaram para a recepção pedindo que um táxi fosse chamado para levá-los até a estação Paddington, mencionando alguma coisa sobre Oxford.

Na estação havia apenas algumas pouquíssimas pessoas. Nenhuma delas parecia esperar por trem algum. Uma das pouquíssimas pessoas estava militarmente parada ao lado dos guichês de bilhetes. O restante das pouquíssimas pessoas estava com esfregões em mãos na brava luta contra a sujeira acumulada pelo vai-e-vem de passageiros. Uma breve consulta revelou que o trem para Oxford havia partido alguns minutos atrás, e como já passavam das três horas da madrugada, o próximo trem partiria dali cinco horas.

- Ahá! – Exclamou Fábio – olhem este mapa!

Oxford ficava apenas a uns noventa quilômetros de Londres. Resolveram que continuariam a perseguição madrugada à dentro. Não poderiam descansar sabendo que um amigo caminhava sobre a tênue linha que separava a vida e a morte, passando por suplícios que só Deus sabe. Pobre, não mereceria destino tão traiçoeiro, pensaram com a última olhada na estação que ficava cada vez mais distante. Enquanto isso, Born To Be Wild ribombava no interior do carro que ganhava velocidade na procura da saída para a rodovia indicada pelo mapa.

- NOSSA CARAAAA! ESSA MÚSICA É UM TESÃO! – Berrou Fábio mais alto que o som.

- Hmmmmm... – Comentaram os outros dois.

- É MUITO MASSA! – Começou a balançar a cabeça de um lado para o outro. O ritmo aumentou e improvisou uma guitarra. Depois tocou bateria no ar. Agitava-se de um lado para o outro.

Resolveram desligar antes que se ferisse.

Tiverem de lidar com vários problemas durante a curta viagem. Um pneu furou. Milton não quis deixar ninguém trocar, alegando que só ele sabia, e acabou enfiando a roda ao contrário. Repetiu todo o processo. Depois disso atropelaram um lobisomem e um gato. Quando finalmente chegaram à estação Paddington, o trem já havia parado ali há uns bons quinze minutos. Procuraram nos assentos por alguma pista do querido amigo e encontraram um panfleto indicando os pontos turísticos de Oxford. Mas o que mais lhes chamou a atenção foi o bilhete dentro de suas dobras. O papel estava amassado e fora escrito a lápis naquela inconfundível caligrafia.

- É dele! – disse Milton, examinando o papel em sua MasterRecognition 3000, que carregava sempre consigo para confirmações deste gênero. Tirou-o do aparelho e leu para si uma vez, percebendo agora o significado daquelas palavras. Encarou a mancha de sangue na metade do bilhete. Engoliu seco e concentrou novamente naquela mensagem. Ficou estarrecido ao pensar na implicação daquilo. Respirou fundo e leu para os outros dois.

Chocaram-se. Para leigos, aquilo não significaria coisa alguma. Contudo, aqueles três homens sabiam muito bem o que as palavras do bilhete diziam. Estava nítido, era um pacto. Então este era o plano do Carlos! Pensaram em como haviam sido tolos em acreditar que ele havia sido raptado. Pensaram em como foram enganados desde o dia em que deixaram o Brasil. Mas agora, mesmo sabendo o que Carlos pretendia, deveriam continuar a busca. O bilhete encontrado era o seguinte:

ela falou

ó não

seus instintos

(mancha de sangue)

(mancha de sangue)

(mancha de sangue)

agora quem quer sou eu.

As palavras estavam dispersas pelo papel em um padrão estranho, mas os três não tinham dúvidas sobre o que Carlos queria. Ele planejava 'morrer'. Não da forma convencional, mas sim daquela forma que os agentes da DICCE tanto trabalhavam para impedir.

CONTINUA