A CARROCEIRA
A CARROCEIRA
Não sei o que ela carrega ao certo. Está quase sempre empurrando um carrinho, espécie de burrinho-sem-rabo, cheia de latas, baldes e papéis velhos. Pelo cheiro recendido parece comida para porcos de sua criação. Seu vestido comprido coberto com um avental imundo está sempre manchado. Seus pés enfiados em sapatos de plástico sem calcanhar. Na maioria das vezes usa meias coloridas bastante gastas. Seu cabelo desgrenhado e ensebado está sempre mal preso por uma fita qualquer. Os óculos sempre pendurados numa cordinha ao pescoço. O andar é pesado e deselegante pelas ruas da parte baixa do bairro próximas ao comércio local onde coleta e coleta sem fim para alimentar a fome insaciável de seus bichos. Porcos e cabritos comem sem parar. Devoram, pisam, destroem, devoram.
No mundo devora-se, pisa-se, destrói-se. Devora-se. Do mundo extrai-se, coleta-se, planta-se. No mundo vende-se, transforma-se. Vendem-se. Vendidos vendem-se. Vencidos se vendem. E a roda gira e gira e vira. Giramundo, viramundo imundo. Compra-se, gasta-se. Come-se. Devora-se. Insaciáveis... Idas e vindas. Compras. Consumo e resíduos... Cabritos devorando nos espinheiros secos e porcos chafurdando-se na lama. Ambos sujando a água e destruindo com suas pisadas de cavalo de Átila a casa há tanto construída. Pisam os pilares. Pisam os altares. A sacerdotisa carroceira serve aos porcos. Os porcos se servem e comem e roncam e fuçam imundos. Porco tudo pisa, tudo devora insanamente por porco ser.