O Reencontro e o Adeus
Está anoitecendo, estou na calçada em frente a minha casa
voltando de mais um dia de trabalho.
A vida aqui é tão diferente, não conheço ninguém, ninguém me conhece. Sinto tantas saudades do Brasil. Do barulho louco das ruas, o som nas lojas com músicas bregas, um locutor anunciando as promoções e falando gracinhas uma vez ou outra para uma mulher bonita que passa. Tudo é mais alegre, o trânsito é confuso e todos querem sempre resolver as coisas dando um jeitinho, sempre com um pedido simpático e um sorriso no rosto, as ruas são coloridas, tem vida, luz, som, cheiro e música, tudo isso é uma melodia cheia de vida que só no Brasil se ouve.
Desde que perdi a minha família e tive que mudar de país para não descobrirem sobre meu trabalho de investigação. Deixei tudo para trás, aluguei uma casa numa cidadezinha no sul da Itália e passo aqui os meus dias.
Demorei a me desligar do passado, mas com o tempo as notícias foram deixando de chegar, a ansiedade por informações sobre ele foram diminuindo e quando eu soube que ele estava vivo pensei que poderia retirar a culpa dos meus ombros e continuar minha vida.
Tanto tempo se passou. Ainda não o esqueci.
Abro o portão para entrar em casa quando uma mulher num carro vermelho me chamou pelo nome. Fiquei tão surpresa!
Quando me aproximei da janela do carro ela foi muito rápida. Disse apenas:
-Entre no carro agora.
No minuto seguinte eu estava dentro do carro, no banco de trás com dois homens ao meu lado, no volante a mulher que me chamou.
Imagino que vamos conversar ali mesmo, mas para meu espanto a mulher que está ao volante liga o carro e sai em alta velocidade.
Eles não falam entre si e nem comigo. Penso em gritar, pedir ajuda, mas com as janelas todas fechadas ninguém me ouviria. Um policial passa ao lado do carro, mas não olha.
O carro vermelho vai se distanciando do centro da cidade, as casas e prédios vão ficando para trás, quando me dou conta estamos na praia. Não sei quem são estas pessoas ou o que querem de mim, já passei por situações perigosas, mas agora me sinto vulnerável, não tenho como me defender, na praia deserta e na escuridão da noite eu sinto medo, desamparo, desespero e solidão.
Observo aquelas pessoas estranhas, todos com idades entre 20 a 30 anos. O carro para em frente a uma casa com muro alto de pedra, o portão abre lentamente.
A casa grande e moderna tem as luzes todas apagadas.
Estou num quarto impessoal, sem quadros, fotos, sem sinal de que alguém já esteve ali antes. Abro gavetas, o armário a procura de algo que pudesse me tirar dali ou entender o que está acontecendo.
A mulher entra no quarto e me entrega um vestido e um sapato de salto alto, toalhas e maquiagem.
-Você precisa se arrumar para ele, você tem meia hora. Fala e vai saindo, quando abre a porta para sair eu começo a fazer uma pergunta ela me interrompe e diz:
-Sem perguntas! E sai batendo a porta.
Estou na sala, na mesa de jantar. A Casa parece estar vazia e o carro vermelho não está mais na garagem. Alguém preparou tudo e foi embora. Alguém está para chegar, mas quem?
O champanhe no balde de gelo, as flores vermelhas no vaso a minha frente e a música suave me deixam menos tensa.
Mas agir assim? Mandar me raptar? Quem faria isso? Seria mais fácil me ligar, me procurar.
Quem fez isso sabe de todos os meus passos, dos meus horários, sabe meu endereço, quem fez isso me conhece bem.
Ele aparece na porta da sala, parei de respirar por um segundo, não o reconheci imediatamente, está mais magro, um pouco abatido, os olhos tristes, os cabelos já com fios brancos.
Ele olha nos meus olhos sem dizer nada. Tenho vontade correr e abraçá-lo, tenho vontade beijá-lo, tanta saudade, tanto tempo longe, longas noites pensando nele, sentindo falta do corpo dele, da voz, do carinho.
Mas fico parada, não consigo me mover nem dizer palavra alguma. Ele também não.
Logo depois nos abraçamos em silêncio, por um longe tempo, não sei quanto tempo. Um tempo que eu gostaria que nunca mais tivesse fim, o tempo que o amor e o desejo, o tempo que a solidão e ausência, a saudade, a dúvida precisam para aliviar a dor no peito que só quem ama sabe que existe.
A primeira palavra que ele diz é meu nome, repete e repete meu nome como se isso o fizesse acreditar que é real. Que estamos juntos novamente.
Ele me beija com a sofreguidão de um amante enlouquecido de desejo e saudade. Nos amamos, nos tocamos e desfrutamos do corpo um do outro sem pressa, a cada gozo ele fala meu nome e me olha. Fiquei tão feliz.
Enfim poderemos recomeçar nossas vidas. Não vai mais existir mentiras ou segredos entre nós, seremos cúmplices e amantes. Seremos um só.
Dormimos juntos. Acordei sentindo o corpo dele nu e os braços em volta do meu corpo. Ele fala no meu ouvido baixinho que precisa ir.
-Como assim? Você veio do Brasil aqui para me ver e já vai embora? Nós ainda não conversamos, eu quero viver com você, eu quero explicar o que fiz, eu quero você!
-Não meu amor, você não precisa me contar nada, eu sei de tudo. Depois que você foi embora eu sofri como um cachorro abandonado na rua e sem comida, como um lixo. Passei alguns anos preso, usei drogas para tentar apagar o pensamento, saí da prisão e viajei o mundo, mas nada, nada me fazia esquecer você.
Então contratei um detetive que descobriu tudo e onde você estava. A forma como fiz para trazer você aqui é simples de explicar, eu achei que você pudesse não querer me ver e eu não agüentaria.
Eu precisava ver você! Você me enfeitiçou!
Não passa um dia que eu não pense em você, não passa uma noite que eu não sonhe com você como algo impossível e inalcançável. Então deixei tudo no Brasil e vim ver você, mas preciso voltar. A nossa história não pode continuar.
Eu preciso aprender a viver sem você, aprender a viver somente com as lembranças boas.
Eu casei-me e tenho três filhos que precisam de mim. Eu precisava ver você uma última vez.
-Mas eu vou com você! Não me importa que você esteja casado, eu aceito vê-lo só quando você puder. Eu serei sua amante, eu faço o que você quiser, mas não me deixe aqui. Eu te amo!
-Não. Não seria mais como antes, não quero estragar a sua vida, quero que você seja feliz, é difícil falar isso, mas se você encontrar um homem que possa fazer você feliz case-se com ele.
Viveremos na memória um do outro para sempre.
Nosso amor jamais vai acabar, mas nossas vidas, nosso destino não é o mesmo.
Não disse mais nada, choramos abraçados.
-Eu vou deixar você em casa. Disse ele.
A manhã de primavera chegava de mansinho, os primeiros raios de sol iluminando as flores na beira da estrada. Os campos dourados dos vinhedos e ao meu lado, sem falar nada ele dirige calado.
Deixou-me em casa e foi embora, e foi embora...
Ele foi embora...