O TÚNEL DE AÍDA

Meu nome é Aluísio. Sou pintor de aquarelas e responsável pela morte de Aída. Não sou inocente, confesso. Conheci Aída numa noite de lua cheia. O céu claro mostrava todas as estrelas e o cruzeiro do sul. Era inverno e o friozinho gostoso fez Aída agasalhar-se com um lindo capote e echarpe. Convidei-a para uns queijos e vinhos a dois, no meu apartamento. Ela aceitou sem hesitar. Conversamos muito. Contei a ela um sonho que se repete quase todas as noites. “No sonho uma donzela aparece sempre de preto. Caminhamos em direção a um túnel, ouvimos vozes conhecidas, mas não vemos ninguém. Ela segura meus braços e me pede para possuí-la. Nego o seu pedido e, ela me alcança com uma faca. Corro. Ela corre atrás de mim. O túnel não tem fim. De repente, bastante angustiado e aflito abro os olhos e... acordo.” Aída me disse que sonho é sempre um aviso. “É premonição,” afirma preocupada.

– Vamos dançar? Propus para quebrar aquela tensão. A música começa a tocar e, dançando bem juntinho, ela me disse ao ouvido:

– Você já esteve nos campos minados da memória?

– Sim, muitas vezes.

– Já colheu flores, na noite, em campos enluarados?

– Viajo sempre em fantasias e sonhos.

– Você gosta da cor vermelha?

– Vermelho? Às vezes me lembra sangue e isso me incomoda.

– Engraçado, falou Aída, vermelho me provoca o mesmo sentimento.

Assim passamos algumas horas como dois grandes amigos, jogando conversa fora. Senti que Aída estranhou - li nos seus olhos - não ter tentado, em momento algum, avançar o sinal. Senti que ela estava terrivelmente apaixonada e teria gostado de se entregar a mim. Na semana seguinte dei-lhe um telefonema e o mesmo convite para queijos e vinhos. Felicíssima aceitou e, com certeza, pensou: - Hoje, certamente, vai se declarar e seremos um. A noite acolhedora levou-nos ao mesmo programa e a dança. Só que Aída estava misteriosa, em grande expectativa. Paramos de dançar e, ela caminhou até sua bolsa; abriu-a e tirou uma coisa niquelada, imaginei uma caixa de óculos, mas, rapidamente, apontou para mim e, atirou. Em seguida voltou para si e deu um tiro certeiro no seu coração. Não era a minha hora. O tiro pegou no meu braço e fui medicado. Todavia, Aída, a linda Aída envolveu-se em sonhos e fantasias e caminhou por um túnel lúgubre, escuro, sem fim. Pobre Aída! Será que conseguiu vislumbrar que a minha praia era outra?!

Maria Eneida
Enviado por Maria Eneida em 30/05/2010
Código do texto: T2288442
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