TANTRA
Quando a lua cheia daquele final de janeiro finalmente despontou por entre os prédios, iluminou de imediato o rosto angelical de uma tensa Kamylla, o olhar apreensivo voltado para a calmaria da rua, a denotar impaciência pelo atraso da amiga. Louise marcou as oito em ponto e já se tinham passados mais de quinze minutos e nada. A espera a deixou intranquila, pensamentos aos turbilhões, a imaginar algum acidente no percurso, assalto ou outro contratempo qualquer, pois a amiga não era de se atrasar e quinze minutos para quem espera sem qualquer atividade é uma eternidade. Além do mais, a amiga tinha chegado à noite do dia anterior das férias as quais passou quase que inteiramente na Cidade Maravilhosa e estava, segundo ela, com novidades bombásticas para lhe contar. O celular rosa ia nervosamente de uma mão para a outra, ela ainda indecisa se voltava a ligar ou aguardava mais um pouco. A menos de meia hora ligou dizendo que já estava sentada à mesa, na parte externa do barzinho Ao Léu, e a amiga confirmou-lhe que já estava saindo de casa, distância de pouco mais de dez minutos de carro, já que morava no mesmo bairro.
“Um lugar divertido para se comer bem!” Esse era o lema do aconchegante e transado barzinho, o qual ficava no segundo pavimento de uma aprazível casa no bairro da Pituba e era muito apreciado por baianos de classe média, porque além do ambiente agradável, tinha umas iguarias diferenciadas e inusitadas, o escondidinho de carne do sol reconhecidamente o melhor da cidade. Abria todos os dias, incluindo feriados e mal o sol se punha em dias de semana e já era difícil encontrar mesa disponível na área externa. Como era terça-feira, Kamylla ainda conseguiu encontrar uma última mesa, próximo ao cercado de madeira, a meia luz, principalmente porque tinha uma turma de vinte jovens utilizando cinco mesas unidas logo ao lado, a comemorar um ruidoso aniversário, coisa comum no ambiente.
Kamylla afastou do rosto a rebelde mecha do cabelo que a brisa teimava em recolocá-lo, deliberadamente a irritá-la, bebericou o já aguado e desprazeroso brasileiríssimo e mais ansiosa ainda abriu o celular e antes que apertasse a tecla de rediscagem, a amiga colocou a bolsa na mesa, puxando-a delicadamente pelo braço, fazendo-a levantar-se e entre gritinhos de satisfação deu-lhe um abraço caloroso e por demais apertado. Alguns garotos da mesa vizinha ficaram a apreciar a deliciosa cena, já a ensaiarem o belicoso assovio, quando as amigas de pronto sentaram-se, Kamylla transformando-se imediatamente, o alívio delineado nos lábios finos, aberto em um franco sorriso.
– Lou, quase me deixa pirada! O que houve? – Kamylla questiona a amiga como a valorizar a irritante espera, já com um olhar de despreocupação, aspirando o cheiro delicioso que emanava da saudosa amiga.
– Ah, Mylla! Quando ligou já estava na porta do elevador e lá vem meu pai, alongando o papo. Sabe como é. Todo mundo com saudades, fui obrigada a dar uma maior atenção. Mas relaxe... Já cheguei! O que é isso? – Indaga, pegando a taça e olhando seu interior, a decifrar a bebida.
– Era. Fiquei tão tensa que nem bebi direito. O gelo derreteu. Tá horrível! Aquele drinque com maracujá: brasileiríssimo.
– Garçom! – Grita Louise enquanto acena com o cardápio. – Vamos pedir dois. Eu gosto disso... Bacardi com cointreau, maracujá, limão, laranja, hortelã... Vixe que eu logo fico acesa! – Alegra-se a amiga, já retirando o celular da imensa bolsa de tecido com estamparias e colocando-o sobre a mesa, depositando a bolsa cuidadosamente na cadeira vazia, onde já estava a prateada da amiga.
– Que cheiro delicioso! Quanto mais aspiro, mais gostoso fica. Comprou lá? – Kamylla aproxima-se da amiga e cheira-lhe o pescoço, deliciando-se com a fragrância que sentira pela primeira vez no reconfortante abraço.
– Menina, do Boticário. Arbo. Ninguém diz. Todo mundo achando que era importado. Uma delícia! Comprei aqui mesmo, no dia da viagem para o Rio. Foi Soninha quem me indicou. E nem sabe a sensação que causei com ele. Na minha pele, Kauê dizia que tinha cheiro de sexo... – Aperta o braço da amiga, sorriso enigmático no rosto, aproxima-se e próximo à orelha, segreda: – Lou é disso que quero lhe falar. Nem vai acreditar no que aconteceu comigo na maioria desses dias que passei por lá. Espere...
O garçom aproxima-se e coloca os drinques na mesa, aguardando ao lado enquanto Kamylla analisa o cardápio, já a pedir a iguaria. – Por favor, mande a costelinha de cordeiro! – Entrega o cardápio ao garçom e volta-se para a amiga que, ainda sorridente, estava a olhar o ambiente já repleto, os garotos da mesa ao lado cantando “Eduardo e Mônica”, acompanhados por um afinado violão. – Pedi logo a costelinha. Sei que gosta desse.
– Oh amiga, estava com tanta saudade... De você, de minha terra querida, daqui do Ao Léu. E você pegou uma mesa tão adequada, adoro esse escurinho... Mas vou te dizer: o Rio é outra coisa! Nem imagina. Eu sei que seu desejo era conhecer nessa viagem, aproveitar a oportunidade, mas justo agora foi terminar com o Ítalo...
– Lou, nem quero falar disso. Não admito traição. Estou sofrendo, mas estou bem. É tanta dor que nem sei se realmente existia algum amor. – Kamylla pega a bailarina e fica a mexer nervosamente o drinque, respira fundo e toma uma boa golada, olhar ainda perdido na lua, a gordalhuda já a esconder-se em uma nuvem desgarrada, o tempo necessário para a dor dissipar-se do semblante.
Kamylla tinha as feições leves em um rosto fino, pequeno e bem talhado, realçado em discreta maquiagem; os cabelos loiros encaracolados nas pontas formando um conjunto harmonioso no frescor de seus vinte e cinco anos; o corpo esguio bem delineado em pouco menos de metro e setenta a combinar na discreta saia branca e blusa alaranjada com flores coloridas estampadas em decote discreto. Fisioterapeuta, especializada em neurologia, montou há quase dois anos com a ajuda do pai uma empresa de home care, a qual já estava consolidada.
Louise, apesar de ter quase a mesma altura, era o contraste da amiga: morena de cabelos lisos e corpo pouco mais cheinho, seios fartos a se insinuarem na blusa roxa com decote em v e costas nuas a mostrar a sensual tatuagem do beija-flor sugando uma desabrochada rosa, combinando com um curto shortinho jeans na cor cinza e detalhes brilhosos nos bolsos. Tinha o rosto arredondado bem maquiado, lábios carnudos valorizados no gloss vermelho e tantos acessórios a emoldurá-la, dando-lhe requinte, que chamava a atenção de todos onde passasse, como uma autêntica patricinha. Apesar de ter a mesma idade de Kamylla, aparentava bem menos e seu jeito sapeca e desinteressado a impediu de se formar junto com a amiga de infância. Faria o último ano do curso no primeiro semestre desse mesmo ano e se especializaria em traumatologia, apesar de nem saber se seguiria carreira, visto que vivia bem financeiramente, pois além de filha única, seus pais eram proprietários de quatro lojas de pet shops espalhadas pelos principais shoppings da cidade.
– Mylla, sabe o quanto já lhe falei sobre Kauê, mas não dava para conversar detalhes pelo celular sobre o que aconteceu comigo. Pense aí no cara! Vou lhe falar de coisas que se alguém tivesse me contado, não acreditaria. – Enquanto toma um gole da bebida, fica a olhar com mais atenção a mesa vizinha.
– Amiga, estou tão ansiosa para saber de tudo que gostaria que deixasse esses meninos de lado e me contasse logo tudinho que está aí dentro. – Kamylla aponta-lhe a cabeça e fecha o semblante a mostrar-lhe que não quer saber de homem, legião, violão ou qualquer outra coisa que tire a atenção. A mesa estava estrategicamente localizada e a turma do aniversário na mesa vizinha envolvida com a música e conversas paralelas e ela não poderia deixar o momento passar para não aparecer qualquer outra novidade.
– Sabe Mylla, viajei tão aflita, deixando de lado meus amigos, a trivela com o Asa, lavagem do Bonfim, ensaios da Timbalada, Jau no Pelourinho, que no primeiro dia minha prima pensou que eu estivesse doente. Primeira vez que passo meu verão longe de tudo isso e nem podia dizer a ela. Podia se magoar. Como estávamos em Copacabana, a praia na porta, e uns prédios bem ao lado com lojas de pronta entrega que fui logo me animando. Imagine aí, pouquinho antes do período fértil, bronzeada, naquele calor sensual, a cidade fervilhando de turistas, e já no terceiro dia minha prima me leva em um aniversário de uma grande amiga, Priscila, por sinal, gente boa. Sorte, amiga. Nem estava a fim de paquerar, mas foi lá que o conheci. – Louise suspira e sorve a bebida como a tomar fôlego, o tom de voz já denotando a emoção vivenciada naqueles dias quentes.
– Lou, errada foi você. Sempre lhe mandava ir para o msn para conversarmos. Nunca tinha tempo. Mal comentava alguma coisa pelo celular, já desligava. Nem pude acompanhar os detalhes. – Kamylla também sorve a bebida, seguindo o olhar da amiga para a mesa ao lado, os garotos em uníssono a cantarolar: “Hoje a noite não tem luar...”, a lua esplendorosa lá no céu a pratear o ambiente festivo.
– Mylla, estava em casa de parentes. Só um computador na sala. O Laptop de Grazinha quebrou, Tio Jonas pegando no pé, minha prima mais solta que eu. Imagine se ele pega eu te relatando o que vou te contar. Imagine! E tia Nadir, minha filha, é antenada. Toda expansiva, festeira e não largava do computador. Tinha um site de autores, ela a fazer poesias, que mal dava para atualizar os recados do Orkut. Entende, não é amiga? – Kamylla consente e recosta-se na cadeira de madeira, já se preparando para essa novidade que já a estava deixando encucada.
– Mylla, já ouviu falar de sexo tântrico?
– Sexo o quê...? – Redarguiu uma espantada Kamylla, encarando a amiga, já imaginando algum tipo de brincadeira, enquanto Louise entorna a taça e bebe todo o conteúdo, e ainda às gargalhadas, acena para o garçom com estardalhaço.
– Você viu no Orkut as fotos de Kauê; você viu o quanto ele é lindo. Imagine esse gaúcho de corpão musculoso e torneado, nu, todos os dias, em uma cama, no ar condicionado, acompanhado a cada dia com uma bebida diferente, a lhe ensinar mil loucuras, e você descobrindo que nada sabia sobre sexo, que os babacas de Salvador, os quais você já transou, não passam de aprendizes...
– Ítalo não era aprendiz. – Defende-se de imediato Kamylla. – Já lhe falei todas as coisas que ele inventava...
– Fichinha Mylla... Fichinha! Depois do meu relato, tudo isso vira fichinha. – Louise pede mais duas doses do brasileiríssimo. Kamylla olha sua taça ainda com a bebida pela metade, encarando a amiga com um olhar de interrogação, arqueando as finas sobrancelhas, a excitação avermelhando suas esbranquiçadas bochechas.
– Então conta Lou... Conta que não estou aguentando mais. Quero saber que negócio é esse que andou descobrindo, depois de tanto homem em tua vida... – Kamylla anima-se e também sorve todo o líquido da taça, rindo do olhar de censura da amiga.
– Olhe Mylla, no sexo tântrico, o primeiro passo é a busca pelo prazer máximo e duradouro envolvendo os cinco sentidos. Enquanto nossas relações não demoram mais de quinze minutos, no sexo tântrico o tempo mínimo é de duas horas. Mínimo! E nem imagina o prazer que ficamos a sentir, a intimidade, a cumplicidade, o toque, o cheiro... Ah! – Louise fecha os olhos e levanta a cabeça, suspirando em deleite, a imaginar as fantasias vivenciadas, quando Kamylla sussurra em seu ouvido para falar mais baixo.
– Mylla, nossa pele possui cerca de seiscentos mil pontos de sensibilidade e bem trabalhadas, duas horas acabam sendo pouco tempo para sentir cada um desses toques. E no sexo tântrico, a ejaculação é considerada um desperdício de energia vital e por isso deve-se aprender a adiá-la. No ritual ficamos a contemplar um ao outro, com adoração mútua, palavras doces e carícias contínuas, fazendo amor com os olhos bem abertos, sem dispersão ou agressividade, sem pressa e com sentimento redobrado.
– Uauh! E quando foi que você conseguiu toda essa paciência Lou? – Kamylla prende os olhos na amiga para sentir o que pode estar sendo inventado ou engrandecido no relato.
– Amiga, os franceses não ficam por quase duas horas em uma mesa, no almoço, degustando com parcimônia o alimento, enquanto nós, brasileiros mal acostumados e mal educados, engolimos o dobro da quantidade, tudo isso em quinze minutos? É a mesma coisa. Tudo se aprende. Eu tive um doce professor que se apaixonou completamente por mim. Teve tanta paciência, que nesses dezoito dias eu fui adorada dos pés a cabeça, centímetro por centímetro, onde qualquer defeito era dissimulado, existindo somente aquele prazer diferenciado. Mylla, só em lembrar já me deixou excitada... Menina, que loucura! Ainda bem que estou com carefree...
– É Lou, já estou ficando por demais, curiosa. Nunca lhe vi assim. E sinceramente, até hoje só li alguma coisa ligado à ioga, a educar corpo e mente. Mas isso aí...
– Então preste bem atenção Mylla, porque são etapas sequenciais. – Louise ajeita-se na cadeira, o garçom coloca as taças na mesa e avisa que o pedido sai dentro de mais alguns minutos. – Depois de toda aquela coisa dos toques, cheiros, beijos, ele sentou na cama e me colocou sentada por cima dele e penetrou-me uns dois centímetros e ficamos assim, nos apertando e nos sentindo por um bom tempo, nos olhando, nos cheirando, nos beijando... Menina é uma loucura! O whisky com red bull rodopiando na cabeça e quando já estava no auge, ele retirou cuidadosamente e colocou o prepúcio no meu clitóris, massageando. Aí amiga minha, o negócio pegou fogo... Na primeira vez, vou lhe ser franca. Não aguentei. Fiz-lhe me penetrar e logo cheguei ao clímax. Depois, aos poucos, fui entrando no clima. É uma coisa mágica. Você só acredita fazendo.
– Sim amiga, mas me conte a coisa certa. Fale de um dia em que você cumpriu as etapas, Certo? Aí ele ficou massageando o clitóris com o pênis...
– Foi, ficamos assim um tempinho e ele voltou a me penetrar. Esse joguinho demorou quase meia hora. É uma preleção para as dez posições, que duram no mínimo, duas horas... Imagine!
– Sei não, viu amiga. Acho que tem que existir muito amor, paixão, devoção... Sei lá. Primeiros dias, tudo bem. Mas depois, deve enjoar. E mínimo de duas horas...
– Mylla, está falando besteira. Você me conhece... Frescura desse tipo nunca curti. O negócio comigo era logo resolvido. Mas, nem sabe como mudei. Mudei os conceitos, pensamentos, tudo. Amadureci. Você me viu olhando aqui para o lado. Nem foi pelos meninos. Viajei na música. Ouça aí: “Pais e Filhos”. Tem coisa mais prazerosa de se ouvir, em uma noite de luar, em um ambiente como esse, na terra da magia?
– Vá então Louise, diga-me como são essas posições. – Kamylla lembra-se de Ítalo e das dores e num minuto franze o cenho depois do tom seco na voz, enquanto mexe o drinque a desculpar-se.
– Bom, lembrar que é um ritual de prazer. Não tem isso de seguir à risca. Depende sempre do prazer conjunto. Tanto que a qualquer momento pode-se interromper para lanchar algo leve, preparar alguma bebida, relaxar, distensionar a ereção do parceiro, para não machucar, enfim, para que só se obtenha o prazer máximo.
– Entendi. Claro que se é para melhorar a performance tudo tem que ser prazeroso entre o casal. Vá lá...
– Pois então, amiga... o início é na mesma posição que te falei; nós ficamos sentados na cama, levemente inclinados para trás e apoiados em nossos braços. Inicialmente, a penetração é lenta e os movimentos pélvicos, circulares. A seguir vem a penetração profunda. Tive que abrir as pernas em v. Nessa posição, meu rosto ficou colado ao dele, um respirando a respiração do outro. Uma delícia! Depois de um tempo, nos erguemos e ficamos entrelaçados, nós acariciando, para circular os sentimentos.
– E não cansa, não? – Kamylla já estava se imaginando praticando com Ítalo, o interesse saltitando nas pupilas.
– Um pouco. Até aí, na quarta etapa, ele teve que se educar, para evitar a ejaculação. Na quinta foi mais cômodo: ele ficou deitado e eu por cima, agachada, unidos pelas mãos, e os movimentos, circulares. Essa aí se você aguentar, deixa qualquer um atordoado. A sexta é uma variação da anterior, sendo que ele colocou umas almofadas nas costas, a dar apoio e ficou beijando e mordicando meus seios por um bom tempo.
– Até agora, estou achando tudo normal. Já fiquei assim com Ítalo. Não tanto tempo, mas fizemos até mais posições. – Kamylla fica tensa, a lembrar-se que jurou nunca mais voltar o relacionamento. Ninguém tinha lhe contado. Não houve qualquer fofoca. Viu. Visualizou! O pegou agarrado à nova secretária. Já não gostava de ter se apaixonado por alguém ligado a eventos. Sempre desconfiou. Sem esperar, o pegou no ato, beijando-a. Ali enxergou uma grande falta de respeito, a machucar o coração.
– Que foi Mylla, se chateou com alguma coisa? – Pergunta a amiga, sentindo a mudança no comportamento. Kamylla nega com a cabeça e pede para ela continuar o relato, a terna música “Há Tempos” dedilhada no violão, penetrando em todo seu corpo, ela a relembrar doces momentos. – Então vamos lá. Onde estava? Ah! A sétima. Aí começa a esquentar. Ele começou a reduzir o ritmo e ficamos nos olhando, a nos energizar. Na oitava eu me virei de costas e ele veio por cima, nós estirados na cama. Nesse momento ele começou a penetrar com força, profundamente. Não sabe, mas o envolvimento, a troca de olhares, os toques, a sensibilidade, muda você toda por dentro. O sentir fica diferenciado. Só você fazendo para entender melhor.
– Vamos ver se arranjo um parceiro no Festival de Verão... – Kamylla sorri meio sem jeito, enquanto o garçom pede licença e coloca a costelinha de cordeiro na mesa, tendo como acompanhamentos: aipim grelhado na manteiga e parmesão, o cheiro inconfundível já a impregnar o ambiente. – Moço, por favor, traga duas cocas-colas em lata!
As amigas se acomodam melhor e servem-se educadamente, Kamylla entristecida por dentro, nunca a imaginar acabar o relacionamento de mais de quatro anos dessa maneira abrupta. Ocorreram algumas brigas, é verdade; alguns afastamentos momentâneos, mas nada que justificasse uma separação como essa. Enquanto saboreavam o delicioso cordeiro Louise ia relatando os passeios de lancha em Angra, Búzios e Niterói, as compras em Petrópolis, os barzinhos na Lapa, a noite aprazível de Copacabana, as noitadas na Barra da Tijuca. E saíam os quatro, todos de férias e despreocupados, para todo tipo de evento. Cada dia uma novidade. Iam da churrascaria Porcão até saborosas feijoadas no Mercadão de Madureira, em sábados de tardes ensolaradas. A cada dia, um prazer diferenciado. E depois do dia curtido, ou após alguma festa ou boate, lá estavam eles, em motéis ou no amplo apartamento de Rafick, o namorado da prima, onde Kauê estava hospedado, a executarem esse ritual, que os aproximava, dando liberdade, gerando doce cumplicidade, onde não existiam aqueles rompantes de ciúmes, mesmo que alguém estivesse a viajar em algum deles. Enfim, existia paz.
– Delícia, hein amiga? Estava com saudade. Adoro essa costelinha... matei minha vontade! – Louise toma o último gole da coca, limpa a boca com o guardanapo e levanta-se para ir ao banheiro.
Kamylla acompanha a amiga com o olhar, admirando seu quadril perfeito, avolumado no short minúsculo, a plataforma com quase oito centímetros ampliando ainda mais as nádegas, alongando as bronzeadas pernas bem torneadas, os homens em várias mesas também a seguirem com olhares lascivos. Ela olha a lua e ainda pode vê-la, já a esconder-se no prédio mais alto, enquanto cantarolava tristemente o trecho animado pela turma da mesa ao lado, da música “Entre A Cruz E A Espada”: “Agora eu vejo, aquele beijo / Era mesmo o fim. / Era o começo, do meu desejo / Se perdeu de mim”. Kamylla estava ali, valorizando a amiga, ouvindo suas aventuras, mas necessitava mesmo era desabafar, chorar, dizer para a amiga o quanto estava sofrendo, a afastar tanta angústia do coração. E todas essas músicas cantadas até então, tinham tudo com o que vivenciaram em todos esses anos, o dvd que não saía do carro de Ítalo, todas as músicas bem sentidas, cada uma com seu significado. A lua cheia, a amiga, o momento, a magia do verão, ela já fantasiando a experimentar com ele a excitante novidade, uma vontade louca de ligar e dizer que o perdoaria e realmente acreditava nele, que sabia que foi ela que o assediou, a envenenar a relação, o garçom a trazê-la à realidade ao retirar a mesa com os pratos já vazios, ela pedindo a última rodada do afrodisíaco brasileiríssimo, quando a amiga senta-se radiante a seu lado.
Louise aproveita que Kamylla também foi ao banheiro e liga para Kauê, a confirmar que ele já estava em Porto Alegre, tendo conseguido um voo pela manhã e informando que sentia muito: não daria para curtir o último dia do Festival de Verão com ela, mas não perderia o tão falado carnaval de Salvador. Tinha uma empresa de Tecnologia da Informação e assumiria o controle pelos próximos vinte dias enquanto seu sócio teria as merecidas férias. Confirmaram a saudade já a machucar e trocaram juras de fidelidade, a descontarem o atraso ao som dos trios elétricos. Desligou e ficou a admirar os meninos ao lado, a cantarem desde o momento que chegou e de forma prazerosa as músicas da Legião Urbana, quando se arrepiou completamente ao ouvir os primeiros acordes de “Angra dos Reis” e ficou a relembrar o dia que fizeram amor na lancha, atracados em Angra. “Delícia!” Pensou enquanto acompanhava a saudosa melodia: “Se fosse só sentir saudade / Mas tem sempre algo mais / Seja como for / É uma dor que dói no peito”.
– Pronto amiga, podemos acabar com o nosso sexo tântrico! – Kamylla volta mais animada, do que se aproveita Louise para falar daquele dia mágico, quando ficaram a ouvir a deliciosa melodia, ela a relatar o que aprendera naquele dia, como se iniciou nos trejeitos de como fazer amor valorizado, ao ritmo do balanço do mar, a amiga a invejá-la por tudo aquilo que perdeu, com esse seu orgulho idiota.
– Bom, agora, a nona. Esse é o momento das tesouras! – Louise dá uma pausa para o garçom colocar os novos drinques, toma um gole após misturar os ingredientes, enquanto se delicia com o semblante tenso e o olhar voluptuoso da amiga. – Nessa eu fiquei quase de costas e passei uma perna pela cintura dele, que me penetrou delicadamente, se entrelaçando em meu corpo. Ficamos assim alguns bons minutos. Entendeu? – A amiga confirma. – É o prelúdio da última postura: ele ficou semiencorpado e eu me sentei sobre ele, de costas, ele me penetrando suavemente e acariciando meus seios e beijando meu pescoço. Nesse momento todas as etapas foram cumpridas e a nossa excitação era absoluta. Chegou o grande momento: o hiperorgasmo!
– Hiperorgasmo? Tá falando sério? – Pergunta uma incrédula Kamylla, ainda sem entender como seria isso.
– Seríssimo! O hiperorgasmo não é um espasmo de alguns poucos segundos, mas um estado de êxtase iluminado. E é possível a qualquer pessoa alcançá-lo. E, sinceramente, não é preciso ser nenhum atleta sexual para atingi-lo. Agora, amiga, não esquecer que algumas condições básicas são necessárias: sensibilidade, sutileza, desinibição, concentração e capacidade de se envolver por completo. Além disso, é preciso renunciar à pressa e aos excessos e não focalizar no orgasmo como a única importância do sexo.
– E você... já sentiu? – Pergunta Kamylla, antevendo a resposta da amiga, captado no sorriso amplo e enigmático, enquanto arrepia-se por completo a imaginar-se aprendendo a nova técnica, a dar uma lição no injusto do Ítalo.
– Mas claro amiga... e muitas e muitas vezes! – Exclama uma radiante Louise, levantando a taça, a amiga a brindar a nova fase, quando se inicia os parabéns na mesa vizinha, todos da turma de pé, o som do violão perdendo-se na vozearia, alguns clientes das mesas próximas também batendo palmas e fazendo coro ao refrão, alguém colocando uma garota franzina e risonha em cima da cadeira central da cumprida e festiva mesa, voltada para o centro do bar, e todos começando a gritar, palmas em sincronia: “Tayná!” “Tayná!” “Tayná!” “Tayná!”
O bolo de Tayná ofertado nas mesas mais próximas foi a deixa para Kamylla pedir a conta, enquanto se deliciava com o que estava a imaginar, já deixando para outro dia o tão esperado desabafo. Importante é que tinha a amiga de volta e ainda mais radiante e ela estaria despreocupada, na certeza da companhia feliz, alegre, despachada e que sabia, faria tudo para ajudá-la a enxergar o melhor caminho. Acabaram de comer o pedaço do bolo de chocolate, agradeceram e saíram para uma nova etapa da vida. Amanhã começaria o festival de Verão e tinha até domingo para nem se lembrar de Ítalo, período em que ele ficava ocupado e nem tinha tempo para respirar, pois produzia quatro bandas que estavam participando do Festival. As amigas despediram-se efusivamente, praia já marcada, e cada uma seguiu em seu respectivo carro e Kamylla, que morava no Itaigara, bairro vizinho, por ironia, estava mais próxima ainda de casa do que Louise. E seguiu todo o percurso maldizendo Ítalo e imaginando quem seria o felizardo a dividir com ela o novo e excitante aprendizado.