A gatinha do velho

A GATINHA DO VELHO

Minha vida seguia seu curso normal, nada de diferente. Apesar dos meus setenta anos e casado com a mesma mulher, há quarenta e oito anos, eu me sinto ainda um jovem querendo novas aventuras. Não as aventuras românticas, essas eu vivo com minha esposa. Falo de desejos novos de fazer, do pouco tempo que resta, uma busca pelo que eu ainda não sei. A certeza que eu tenho é que preciso novamente produzir algo, para encher o tempo ocioso que ganhei com a aposentadoria. Não quero ser um velho chato e renitente e, tampouco, terminar meus dias me queixando de dores e de cansaço da vida. Eu quero viver até a última gota, mostrando para todos que um rapaz velho, também tem o que fazer. Giselda e eu somos muito felizes, vivemos um amor interminável, criamos nossos filhos com todo o amor e deixamos um pouquinho desse amor para garantir os momentos difíceis da vida. Ah, essa vida! Quando a gente menos espera cai numa armadilha que ela colocou no caminho. Foi numa dessas armadilhas que eu, experiente e vivido, caí.

Certa tarde, abri a porta da casa e dei de cara com uma jovem, mas era uma jovem que fazia qualquer coração cansado correr e disparar. Pensei que ele iria sair pela boca, com tanta beleza que se mostrara em minha frente. Fiquei inerte. Um velho, numa cena, que há anos, ou melhor, há décadas, eu não vivia; o doce sabor do amor. Resolvi cumprimentá-la, pois queria saber o que ela fazia aqui nesse local. Foi quando uma voz doce e meiga adiantou-se a minha:

- Bom dia, como vai o senhor?

Que voz linda e ainda é educada. Meu Deus estou ridículo, pensei. Com a voz emocionada eu respondi:

- Bom dia, minha jovem! O que faz por aqui?

- Eu sou a nova moradora do bairro.

- Seja bem vinda!

- Como é o nome do senhor?

- Roberto e “senhor” está no céu. E o da jovem, qual é?

- Carla, mas pode me chamar de Carlinha.

A aventura que eu tanto queria foi me oferecida. Agora vou parecer aqueles velhos idiotas, que só pensam em meninas mais novas, tentando, desse jeito, ter uma juventude que já passou? Não! Eu vou conter o poço da libido que me resta e viver de acordo com minha idade. Mas se a vida me deu essa oportunidade, por que não tentar agarrar com as mãos?

- Roberto, Roberto, ela é só uma jovem e você já está velho. Ela deve ter namorado e deve ser aquele tipo musculoso, mas de cabeça vazia. Falou Roberto com ele mesmo.

Depois desse momento de devaneio, ele cai na realidade e é despertado dos seus sonhos, acordados por Giselda, sua esposa.

- Venha tomar seu remédio para a pressão, Roberto.

- Já vou, já vou! Respondeu irritado.

Nessa hora, ele percebeu que já não era mais aquele moço serelepe como antigamente. Mas, também, ele sabe que a idade ensina e ele aprendeu o fino trato da vida.

Dias passam e Roberto procura sempre encontrar com a jovem que lhe fez capotar novamente nas curvas do amor. Até que um dia...

- O senhor aqui, desculpe, você aqui? Está procurando alguém? Perguntou Carlinha.

- Estou fazendo minha ginástica diária. Respondeu mentindo Roberto.

- Por isso é que você está bem conservado. Não deve parecer a idade que tem.

- Que nada! Mas eu procuro manter a forma. Você é que está em plena forma física.

- Obrigada, você é que é muito gentil.

- E você, já está definitivamente morando aqui no bairro?

- Já arrumei minha casa, tá linda, qualquer dia eu te levo lá.

- E eu irei com todo prazer.

- Agora eu tenho que ir, depois a gente se fala, beijinhos.

- Até mais Carlinha.

Roberto começou a se aproximar da aventura que ele queria viver, mas não queria ser tachado como um velho assanhado, por isso se continha. Além de estar velho para Carlinha, ele era casado e nunca havia traído sua esposa. E ele sabe que ela não merece tal traição. A vida vai passando e Roberto fica, a cada dia, mais íntimo de Carlinha, tanto que já sentam para tomar café e jogar conversa fora. Giselda não desconfia, é apenas uma senhora do lar. Ainda tem resquícios de mulher “Amélia” e não se preocupa muito com o marido. Afinal, ela sabe que ele nunca deu motivos para qualquer suspeita. Com o passar do tempo Giselda nota que seu marido anda mais cuidadoso com o corpo, tem se preocupado mais com a aparência e anda até fazendo exercícios. Mas nada que lhe desperte suspeitas.

- Até que enfim, resolveu se cuidar. Falou Giselda.

- A idade chega e eu não quero ficar um velho todo enrugado.

- Estou gostando de ver! Pode continuar que eu aprovo.

Na verdade, Roberto estava se preparando para Carlinha, a jovem fez com que ele despertasse para uma nova etapa da vida. Mesmo sem saber, Carlinha era a juventude que Roberto havia deixado para trás.

- O que você faz da vida, Carlinha? Perguntou Roberto.

- Muitas coisas, tenho que viver bem e isso custa caro. Respondeu Carlinha.

- Mas você quase não sai de casa.

- É que eu trabalho em casa, a vida moderna é assim.

Que mancada, dei uma de velho! Esqueci que hoje existe computador e que ninguém precisa sair de casa pra trabalhar em algumas coisas. Pensou Roberto.

- Mas você nem sai para se divertir.

- Eu quero acabar primeiro minha faculdade, arrumar um bom emprego, só assim vou começar a me divertir.

- Você pensa certo, a vida está difícil e tem que estudar mesmo.

- E você, o que tem feito da vida?

Roberto não quis dizer que era aposentado, pois iria parecer velho, então respondeu:

- Eu tenho algumas fazendas e vou pra lá de vez em quando.

- Eu adoro a vida no campo, você vai me levar lá qualquer dia.

- Já está convidada.

Roberto estava, cada dia mais, próximo de Carlinha. A dúvida que ele tinha é se ela tinha namorado ou alguém com quem flertasse. Passavam os dias e ele não tinha coragem de perguntar tal coisa, pensa que pode estar invadindo demais a sua privacidade. Certo dia, Carlinha estava sentada sozinha num banco de praça, Roberto então se aproximou e falou:

- Oi!

- Oi Roberto, desculpe, mas agora eu não posso conversar com você. Eu estou esperando alguém.

- Então a gente conversa depois.

Roberto saiu, mas ficou de longe olhando, observando quem Carlinha estava esperando. Quando, de repente,chegou um homem, parecia velho, uns cinqüenta anos, sentou ao lado de Carlinha e começou a falar. Roberto achou, a princípio, que poderia ser seu pai, mas os carinhos não eram paternais. O homem estava despindo-a com os olhos. Os dois levantaram e foram caminhando até o apartamento de Carlinha. Roberto saiu e parece que teve sua resposta. Carlinha namorava um cara velho!

Depois desse balde de água fria, Roberto afastou-se, um pouco, de Carlinha, não queria lhe causar nenhum problema. Ela sentiu a falta e num desses encontros casuais ela perguntou:

- Por que você sumiu?

- Não sumi, só não queria lhe causar problemas. Falou Roberto.

- Que problemas?

- Problemas com o seu namorado.

- Que namorado?

- Aquele que você estava outro dia na praça e depois o levou para seu apartamento.

- Ah, ah, ah, é apenas um amigo e eu faço serviços pra ele.

Roberto, então, suspira aliviado, sua deusa novamente estava ao seu alcance. Conversaram por um longo tempo, mas Roberto tinha que sair, afinal, hipertensão tem hora certa para lhe fazer tomar o remédio. Despediu-se de Carlinha e foi comprovar, mais uma vez, que não era mais aquele jovem. Depois de muito tempo passado e de conversas com Carlinha, Roberto começa a se insinuar, devagar e contido. Não queria parecer um velho assanhado. Carlinha não era tão inocente e, logo, percebeu o interesse de Roberto por ela. Ela dava, cada dia mais, corda e levemente se oferecia.

- O que você acha das minhas coxas? Com um ar de sedução, ela pergunta:

- Eu acho perfeitas, lindas. Respondeu eufórico Roberto.

- E do meu bumbum?

- Lindo também.

- você não acha que meus seios são pequenos demais?

- Pra mim são do tamanho ideal.

Carlinha parece estar lhe seduzindo e Roberto está caindo na teia da sedução.

Roberto, nessa noite, não consegue dormir, fica rolando de um lado pra outro da cama. Está muito perturbado por Carlinha. Giselda acha que a pressão do marido está alta e o manda tomar o remédio, mas ele diz que só está com um pouco de insônia. Amanhece e Roberto quer falar para Carlinha que está interessado por ela. Mas que não a vê como apenas uma jovem bonita e que tem também muito respeito por ela. Durante o dia, ele fica pensando como falar dos seus desejos incontidos, mas parece que quem toma a iniciativa é Carlinha.

- Oi Roberto, quer jantar comigo essa noite?

Roberto não acreditou no que estava ouvindo, seu coração disparou, ele pensou até que iria enfartar, mas resistiu e respondeu:

- Claro que vou! Eu levo o vinho.

- Eu te espero às 9h, tudo bem?

- Pra mim está ótimo.

Roberto aceita o convite e esquece até que é casado. Como ludibriar Giselda, afinal ele nunca saiu a noite sozinho. Pensou, pensou e mandou um amigo ligar dizendo que precisava de ajuda para levar a neta a um hospital, de uma cidade vizinha. O dia parecia interminável e Roberto estava ansioso, comprou Viagra, camisinha e tudo que a idade lhe permitia. Mal conseguia esperar pela noite, só faltava adiantar o relógio e pedir para a lua nascer mais cedo.

Como combinado o amigo ligou e Giselda não desconfiou de nada. Roberto se despediu e disse para ela dormir, pois não sabia a que horas voltaria para casa.

Com o coração saltando pela boca e as mãos trêmulas de emoção, ele bate a porta de Carlinha. Ela atende com um sorriso denunciador nos lábios. Roberto então diz:

- Você está linda.

- São os seus olhos.

Ela o convida para entrar e lhe dá um copo com uísque. Parece que ela o quer relaxar. Roberto toma devagar, pois lembra da pressão alta, depois esquece e começa a encher a cara. Carlinha começa a se insinuar e ele com doses a mais vai pra cima sem o menor pudor. Ela manda que ele fique sentado e só olhe ela se despindo. Roberto aceita o convite e cada peça que vai caindo ele vai pensando: Meu Deus, tudo isso e só pra mim! Carlinha, enfim, fica nua e Roberto não aguenta e tenta agarrá-la; é quando tem uma surpresa.

- Espera, Roberto, precisamos falar de preço.

Roberto sem saber do que se tratava pergunta:

- Que preço? Como assim?

- O preço pra você se divertir nesse corpinho. Você pensou que era de graça?

- Mas você é...

- Sim, sou garota de programa, por isso trabalho em casa. Aquele que você viu na praça é mais um dos meus mil clientes.

- Garota de programa, mil clientes?

- Como você acha que eu pago minha faculdade? Trabalhar honestamente não dá nem pra viver e eu sou muito cara pra ganhar só um salário.

- Mas você é tão nova.

- Por isso mesmo, velha ninguém quer comer.

Roberto se sente ridículo, pensa na esposa em casa, nos filhos e no papelão que estava passando. Carlinha insiste:

- Você vai pagar ou não vai?

- Carlinha, eu me enganei! Espero que compreenda, eu sou casado e amo minha mulher. Foi tudo um mal entendido.

- Mas eu sei que é casado e daí?

- Eu não posso fazer isso!

- Se pagar eu faço você ficar bem relaxado. Eu garanto!

- Eu te dou até o dinheiro, mas não quero nada com você!

Roberto estava pagando a vergonha pela qual passou. O que ele tinha mais medo de acontecer, aconteceu. Era um velho, safado, ridículo e tentando ter uma juventude tardia. Carlinha não aceita o dinheiro e nem tenta mais convencê-lo. Roberto se despede dela e volta para a sua casa. Encontra sua mulher dormindo inocentemente e, com vergonha, e sem jeito ele a abraça e diz baixinho:

- Você é a mulher mais bonita e doce que um homem pode ter!

- Giselda acorda com tal declaração de amor e diz:

- Você que é o meu eterno amor.

Nesse momento, Roberto percebeu que sua vida e sua juventude dependem de Giselda e que só ela conseguia lhe dar a maior das aventuras; o companheirismo por toda uma vida.

MÁRIO PATERNOSTRO