A CARTA

Tudo tem um começo um meio e um fim. Martinha me proporcionou os mais loucos e felizes dias da minha vida. Foram 3 anos de um amor intenso, sem culpa, sem medo, sem preconceitos. A mais pura arte de extrair desse sentimento tudo o que ele tem para oferecer. E Martinha sabia como ninguém fazer isso. Ela transformava o ato de amar em algo tão forte, como um poderoso imã que nos mantinha unidos. Ainda hoje, sinto seu perfume, o cheiro de sua pele e parece que a qualquer momento ela vai entrar pela porta e dizer.

– Adivinha o que eu encontrei?

Um dia acabou! Tão inusitadamente como havia começado. Uma simples folha de papel pela mão de uma amiga, pôs fim ao nosso romance. Eu nunca mais a vi e nem sei se ainda vive, mas sei que em minhas lembranças ela viverá para sempre. Por mais que viva eu jamais a esquecerei. Talvez ela já tenha ido e quando chegar a minha vez, ela estará a minha espera com uma imensa lista de lugares exóticos para que possamos viver tudo novamente. Já faz muito tempo, mas as palavras escritas em letra miúda penetraram fundo na minha alma e as tenho na memória como uma lança encravada em meu peito.

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Querido,

Estou indo embora de volta para Cruz Alta. Não vou me despedir se não, não terei forças para partir. Você me fez mulher e juntos atravessamos os mais lindos anos de minha vida e para sempre você viverá nas minhas lembranças. Em todas as noites vou lembrar dos loucos momentos de intenso amor que vivemos. Meu pai é um homem muito doente e minha mãe também está enferma. Quando viemos para cá, deixei um namorado. Ele era muito bom pra mim e queria casar. Você me fez esquece-lo. Mas a vida cobra caro pela nossa felicidade, ele tem dinheiro e poderá ajudar com a doença de meus pais. Meu pai tem muitas dívidas de jogo. Perdeu todas as economias. Sei que se pudesse você ajudaria, mas, você tem no momento só o seu primeiro emprego. Até gostava dele, mas você me mostrou o verdadeiro amor. Ter sido sua foi para mim a maior ventura da minha vida. Vou cumprir meu destino. Não nos veremos mais, eu não saberia como resistir. Deixo esta carta nas mãos da Claudinha, nossa querida e confidente amiga que me prometeu que você não virá me ver antes da partida.

Um beijo, sem despedida, sem até breve. O mundo dá muitas voltas e quem sabe um dia possamos viver tudo de novo talvez num mundo de luz e não nesse,

um grande beijo, tão grande que o mundo é pequeno pra caber.

Da para sempre tua,

Martiña

Eu não acreditava no que estava lendo. Os olhos da Claudinha estavam marejados quando me entregou o papel, uma folha de caderno escolar, com o desenho de dois corações separados por setas em sentido oposto. Era a letrinha miúda da Martinha.

Parecia-me ver o seu sorriso malicioso, quando queria que a acompanhasse em suas mais loucas fantasias. Senti-me como se tivessem arrancado a metade mais importante do meu corpo. Fiquei ali olhando para a Claudinha, sem poder dizer nada. Meus lábios tentavam, mas, eu não conseguia falar. Ficamos em silêncio e eu fazia o maior esforço pra não chorar. Não, na frente de uma mulher. Afinal nós que somos o sexo forte. Claudinha sentou-se ao chão e escorou o braço na minha perna olhava-me com os olhos marejados e não conseguíamos falar um com o outro. Creio que o momento dizia tudo. Ela beijou a minha testa e lentamente se afastou. Sabia que eu estava sofrendo muito. Saiu dizendo,

– É isso amigo! Você perdeu o amor e eu perdi a melhor amiga.

A vida continua. Me leve ao baile no sábado, você sabe que tem um ombro amigo. Afastou-se me deixando só, então desabei e minhas forças fracassaram. Vi-me finalmente chorando.

Dizem que dinheiro não traz felicidade, mas a falta dele pode impedir um mínimo de felicidade sim.

Assim terminou a minha curta história de amor com Martinha e ela passa a ser apenas um personagem em minhas lembranças. Mas a vida continuou e segui em frente limpando as lágrimas e partindo em busca de novos amores, novas aventuras e talvez novas desilusões. Claudinha e Olímpio casaram-se e quando voltei para Rio Pardo 35 anos depois vieram me visitar. Foi um momento de pura emoção ao lembrarmos as aventuras vividas em uma época em que fazíamos do amor um ato sagrado e nos divertíamos sadiamente, com lealdade e companheirismo. De Martinha nunca mais soubemos nada. Muitos dos antigos companheiros já se foram. O salão onde dançávamos nos bailes ou nas domingueiras, hoje transformado em posto de saúde do município, serve apenas como referência para lembrarmos de uma época dourada que não volta mais. O amor é um sentimento soberano e injusto. Às vezes nos embriaga de tanta felicidade, nos faz viver momentos que lembraremos para a eternidade. Mas de repente parece dizer, “Chega! A festa acabou! Vocês já estão felizes demais! É hora de acabar”.

Ω;Ω;Ω;

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 27/05/2010
Código do texto: T2282812
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