A viagem azul (final)
O médico aconselhou que a avó deveria passar alguns dias na praia, um mês era o ideal e banhar as pernas com a água do mar. A doença da avó ia alavancar o sonho da menina, agora com onze anos.
- Filha, você vai com a mamãe para a Bahia, ela precisa tomar banhos de mar e você vai conhecer a praia.
A menina nem deu muita importância.
- Eu vou viajar no trem azul? que bom! que ótimo! quando? amanhã?
- calma, em poucos dias.
O dia chegou e a menina escolheu o vestido azul – aquele mainha, que tem os babadinhos brancos! -
Tudo acertado e o avô foi até a estação para embarcar as duas.
Antes de sair o avô perguntou à esposa: - já tomou o remédio que o médico indicou? Sim, já tinha tomado. Isto porque ela enjoava muito quando saía de carro ou viajava de trem. Segundo o “doutor da família” o medicamento a faria dormir.
A menina não se continha: vamos, vamos, temos que chegar cedo, vou viajar no trem azul! Vamos!
Na estação uma azáfama: senhoras usando chapéus, senhores bem vestidos, belas malas etiquetadas, balas, pirulitos, broas, cigarros gritados por vendedores. A menina não via nem ouvia nada.
Assim que o apito soou, ela já estava com os pés no degrau, pronta para subir: vamos vó, entra, sobe! Despediram-se do avô, entraram.
- Claro que quero ir junto da janela, disse a menina! Quero ver as cidades, as árvores, dar adeus ao povo, quero fazer tudo, tudo! E experimentava o assento da poltrona, inquieta, subindo , descendo, encontrando a posição ideal. Estou tanto feliz... tanto!!! Acarinhava o forro das poltronas. Tanto!
A paisagem corria ao contrário...engraçado, ela pensou. Estou ficando um pouco tonta...Mas não ligou.
De vez em quando pequenas gares, novas estações e ela ia lendo, nome por nome: Magalhães, São Gonçalo, Santo Amaro, e outras e outras.
Volta e meia estava passeando pelos corredores, comparando as gares onde o trem parava - nenhuma tão bonita como a da sua cidade - conversando com o homem que conferia os bilhetes, tocando na madeira, nos brasões dourados, conferindo o sanitário, olhando-se no espelho. Enquanto isso, a avó dormia (e roncava).
Ela tentava dividir sua alegria conversando com a avó. Desistiu.
Expressava-se em voz alta o que sentia: meu trem azul, gosto muito de você, você é lindo! E blá blá blá.
Mais de três horas se passaram e o trem chegou ao destino: Salvador, capital do estado da Bahia.
- Vó, Chegamos. A avó não acordava. Vó acorda! acorda vó!
A senhora não vomitou, mas também não acordava. Foi preciso que o homem dos bilhetes a ajudasse a descer do trem. Que sufoco!
Sentaram-se nos largos bancos da estação da Calçada, em Salvador, e a avó só queria dormir.
- Vó, a senhora disse que vamos para a casa da tia em outro trem, por favor, acorda! ACORDA! Berrou.
Outro trem suburbano chegou, a menina olhou à sua volta... O que fazer? Tinha sido orientada pela mãe. Perguntou ao chefe da estação em qual trem deveriam subir para ir até Periperi e, finalmente, com a ajuda do homem estavam acomodadas para a nova e curta viagem.
- Então filha, gostou da viagem? Está gostando deste trem?
- Ora vó, a senhora dorme a viagem toda e quer saber de tudo agora? Nem ligo para este trem. Deixa eu pensar no meu trem azul, tá bem? Fechou os olhos e sonhou azul, sonhou brilho, sonhou árvores, sonhou conforto, mas não dormiu. Apenas lembrou que sentiu náuseas também, mas coisa boa faz esquecer coisa ruim.
Fez um gesto de beijo com as mãos em concha e falou olhando para o trem azul parado ao lado: espere-me MEU TREM AZUL, vou voltar com você.
Desejou: um dia vou viajar de novo nele, com meu marido e meus filhos.
Mas isto não aconteceu. A menina não casou, não teve filhos e não voltou a viajar no Motriz. Anos depois, a estação foi desativada, abandonada, ruiu e nada fizeram para conservá-la. Nem ao trem.
(Quem foi esta menina? a autora do conto.)
:::::
Imagem: Estação de trem de Feira de Santana – BA – BR (parece ser o dia da inauguração)
foto feira9403 - encontrada na Net
O médico aconselhou que a avó deveria passar alguns dias na praia, um mês era o ideal e banhar as pernas com a água do mar. A doença da avó ia alavancar o sonho da menina, agora com onze anos.
- Filha, você vai com a mamãe para a Bahia, ela precisa tomar banhos de mar e você vai conhecer a praia.
A menina nem deu muita importância.
- Eu vou viajar no trem azul? que bom! que ótimo! quando? amanhã?
- calma, em poucos dias.
O dia chegou e a menina escolheu o vestido azul – aquele mainha, que tem os babadinhos brancos! -
Tudo acertado e o avô foi até a estação para embarcar as duas.
Antes de sair o avô perguntou à esposa: - já tomou o remédio que o médico indicou? Sim, já tinha tomado. Isto porque ela enjoava muito quando saía de carro ou viajava de trem. Segundo o “doutor da família” o medicamento a faria dormir.
A menina não se continha: vamos, vamos, temos que chegar cedo, vou viajar no trem azul! Vamos!
Na estação uma azáfama: senhoras usando chapéus, senhores bem vestidos, belas malas etiquetadas, balas, pirulitos, broas, cigarros gritados por vendedores. A menina não via nem ouvia nada.
Assim que o apito soou, ela já estava com os pés no degrau, pronta para subir: vamos vó, entra, sobe! Despediram-se do avô, entraram.
- Claro que quero ir junto da janela, disse a menina! Quero ver as cidades, as árvores, dar adeus ao povo, quero fazer tudo, tudo! E experimentava o assento da poltrona, inquieta, subindo , descendo, encontrando a posição ideal. Estou tanto feliz... tanto!!! Acarinhava o forro das poltronas. Tanto!
A paisagem corria ao contrário...engraçado, ela pensou. Estou ficando um pouco tonta...Mas não ligou.
De vez em quando pequenas gares, novas estações e ela ia lendo, nome por nome: Magalhães, São Gonçalo, Santo Amaro, e outras e outras.
Volta e meia estava passeando pelos corredores, comparando as gares onde o trem parava - nenhuma tão bonita como a da sua cidade - conversando com o homem que conferia os bilhetes, tocando na madeira, nos brasões dourados, conferindo o sanitário, olhando-se no espelho. Enquanto isso, a avó dormia (e roncava).
Ela tentava dividir sua alegria conversando com a avó. Desistiu.
Expressava-se em voz alta o que sentia: meu trem azul, gosto muito de você, você é lindo! E blá blá blá.
Mais de três horas se passaram e o trem chegou ao destino: Salvador, capital do estado da Bahia.
- Vó, Chegamos. A avó não acordava. Vó acorda! acorda vó!
A senhora não vomitou, mas também não acordava. Foi preciso que o homem dos bilhetes a ajudasse a descer do trem. Que sufoco!
Sentaram-se nos largos bancos da estação da Calçada, em Salvador, e a avó só queria dormir.
- Vó, a senhora disse que vamos para a casa da tia em outro trem, por favor, acorda! ACORDA! Berrou.
Outro trem suburbano chegou, a menina olhou à sua volta... O que fazer? Tinha sido orientada pela mãe. Perguntou ao chefe da estação em qual trem deveriam subir para ir até Periperi e, finalmente, com a ajuda do homem estavam acomodadas para a nova e curta viagem.
- Então filha, gostou da viagem? Está gostando deste trem?
- Ora vó, a senhora dorme a viagem toda e quer saber de tudo agora? Nem ligo para este trem. Deixa eu pensar no meu trem azul, tá bem? Fechou os olhos e sonhou azul, sonhou brilho, sonhou árvores, sonhou conforto, mas não dormiu. Apenas lembrou que sentiu náuseas também, mas coisa boa faz esquecer coisa ruim.
Fez um gesto de beijo com as mãos em concha e falou olhando para o trem azul parado ao lado: espere-me MEU TREM AZUL, vou voltar com você.
Desejou: um dia vou viajar de novo nele, com meu marido e meus filhos.
Mas isto não aconteceu. A menina não casou, não teve filhos e não voltou a viajar no Motriz. Anos depois, a estação foi desativada, abandonada, ruiu e nada fizeram para conservá-la. Nem ao trem.
(Quem foi esta menina? a autora do conto.)
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Imagem: Estação de trem de Feira de Santana – BA – BR (parece ser o dia da inauguração)
foto feira9403 - encontrada na Net