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A estação de ferro era localizada perto de casa. Bastava andar um pouquinho, subir um alto passeio que ela quase não conseguia, passar na porta da casa do padre, ganhar um “santinho” e chegar ao enorme portão de ferro. A menina olhava para cima e extasiava-se com a imponência do portão antigo, pintado de azul escuro. Ficava ali parada, pescoço despencado até sentir dor e depois... Voltava correndo para casa, saltitando e feliz.

- onde você estava?
- ah mainha, fui buscar um “santinho” que padre Mário disse que ia me dar, olha aqui, é de Nossa Senhora de Fátima. E depois...
- depois o quê?
- fui ver o portão da estação. Queria tanto entrar lá...
- Não pode, a estação é perigosa para crianças.

Uma vez, o pai foi viajar para a Bahia (assim chamavam Salvador, a capital do estado) e ela foi com a avó até a estação. Alegria incomensurável! Uma plataforma muito alta e enorme separava o local onde ficavam as pessoas que iam usufruir daquele sonho e lá embaixo, os trilhos. Quando o trem chegava para partir em seguida, o nível da porta do trem era igual ao piso da plataforma. Que engraçado, ela pensava, como as pessoas desciam dali para entrar no trem? Como o trem faz a curva ?... o avô ia respondendo às suas justas interrogações.

- Vô, deixa eu entrar com o senhor? (ora ela o chamava de painho, ora de vô).
- Deixo, mas tem que ser rápido, é só para você conhecer o trem.
O coração da menina sambou, dançou, pulou, gritou: alegria, alegria! Que coisa mais linda! Os bancos eram poltronas alcochoadas, forradas com couro (ou veludo?) azul escuro, as “paredes” eram de madeira envernizada e brilhavam tanto que pareciam espelhos. E tinha também enfeites dourados que pareciam brasões. Ah! - pensou a menina - um dia vou viajar neste trem azul... Estava neste devaneio quando foi alertada:

- vamos sair, minha filha, está na hora. Gostou?
- se gostei? demais! obrigada painho!

Um apito soou. Um barulho de máquina ecoou, uma fumaça espalhou-se e um tchun... tchun...tchun começou.
Agora ela estava acenando e duas lágrimas equilibravam-se em suas bochechas coradas.
Com a voz embargada ela berrou: volte logo Vôôô!!!!

Retornaram para casa, a menina e a avó. Ela, absorta, divagava... um dia vou viajar no trem azul... um dia vou vestir azul e viajar no trem azul, ora se vou!

Não era só o Trem azul - também chamado de Motriz - que deslizava naqueles trilhos. Havia também o Misto e era um trem de passageiros e carga. Os passageiros eram pessoas que não podiam pagar o preço dos bilhetes do Motriz. Nele não havia conforto, os bancos eram de madeira e duros, a viagem mais demorada, pois parava aqui, ali e de novo em outro lugar. Nele iam além de pessoas, galinhas, colchões, gaiolas, enormes sacos de grãos, porcos e até bois e cavalos. Estes últimos tinham um vagão reservado.

A menina pensava: coitados, não podem viajar no trem azul...
 
 
(continua amanhã) 
 
 
Imagem: Estação de trem de Feira de Santana – BA – BR
 foto: feira9391 - encontrada na Net