Visão Inabitual

O homem sai apressado do supermercado.

Compras feitas, tem o dia todo pela frente. Não repara nos detalhes à sua volta até que uma imagem o paralisa. O ato é físico. Ele pára. Esquece da sua correria e de todos os seus compromissos de cidadão zeloso e trabalhador. O que este homem vê é um mendigo a 3 metros de distância. O mendigo não tem um pé. Seu cheiro nauseabundo contrasta com o perfumado desodorante do apressado. Aproxima-se do mendigo e pergunta (gesto nada habitual já que sempre são os mendigos que estão acostumados a nos interpelar):

__O senhor precisa de algo?

__Sim, mas o “doutor” já me deu o que eu precisava.

__Não me lembro do senhor a hora que eu entrei. Estou muito apressado, aliás nem poderia estar aqui. Quando estou assim, faço as coisas sem ver. Por acaso te dei algum dinheiro na hora em que cheguei?

__Não, o senhor passou rápido.

__Mas então, o que foi que te dei?

__O senhor me deu atenção.Fico aqui todos os dias. Filhos não tenho. Vivo em um abrigo. Eles dizem que cuidam de mim, mas acho que preferiam me ver morto. Tomo minhas cachaças.Fica quente aqui dentro, sabe? E assim consigo conversar comigo mesmo. Mas já fazia uma semana que ninguém falava algo pra mim, falava o necessário pra me sentir gente...

Desconcertado, o apressado faz um gesto de reconhecimento às palavras do mendigo e sai. Não andou mais tão apressadamente. Procurou notar que à sua volta, em meio a tantos prédios, construções, talões de cheque e carros existiam pessoas. E isso o espantou profundamente por duas semanas...

Laanardi
Enviado por Laanardi em 25/05/2010
Código do texto: T2278377
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