A última noite de um garoto. Parte I.
O lenhador, homem de estatura mediana e físico robusto, gestos bruscos de quem está acostumado a uma vida dura, entrou na casa de madeira, construída por ele com a ajuda de alguns homens que moravam no pequeno povoado, próximo algumas milhas da floresta, onde estava situada a casa. Tanto ele, quanto a família se orgulhavam daquela construção. A mulher, de 28 anos, corpo franzinho e ralos cabelos castanhos claros, estava feliz no lar onde residia com o marido e os dois filhos homens. O mais velho, parecia-se com ela. Cabelos quase loiros e um físico esbelto. Já o mais novo, lembrava o pai, de ossatura mais larga e de menor estatura. A mãe, estava neste momento preparando o jantar, na sala que servia ao mesmo tempo de local para as refeições, cozinha e sala de estar. Era o local onde mais comumente a família se reunia. A mesa de madeira rústica, colocada ao centro, era rodeada por seis cadeiras, duas delas já ocupadas pelos filhos Henrique e Pedro. O pai entrou, fechou a porta atrás de si, colocou o velho e cinzento chapéu, já totalmente sem forma, pendurado na chapeleira que estava ao lado esquerdo da porta. Seu jeito sempre sério, de pouco riso, olhar insisivo, fazia com que os membros da família esperassem antes de dirigir-lhe a palavra. Sem levantar a cabeça, como se trouxesse nos ombros todo o cançasso do dia de um lenhador, sentou-se à mesa e retirou as botas sujas de terra. A mulher veio, pegou as botas e trou-lhe um par de chinelos. O homem perguntou à esposa o que havia para o jantar porque estava com muita fome. "Hoje eu preparei um ensopado de carneiro. Colhi os legumes de nossa horta, atrás da casa. As hortaliças estão muito viçosas". Enquanto falava, pegava o prato de metal esmaltado e já desgastado pelo uso. E podia-se ouvir o barulho da colher de pau colhendo o cozido do caldeirão de ferro e sendo despejado no fundo do prato.Depois ela pegou outro prato e serviu ao filho mais velho. Por último, ao caçula. Só então, também se serviu e sentou-se à mesa. Depois que todos se sentaram, abaixaram a cabeça e a mãe, sustentando a cabeça com as mãos cruzadas sob a testa, esperou que o pai iniciasse a oração de agradecimento pelo alimento como faziam antes de todas as refeições servidas na casa. Os últimos raios de sol entravam pela janela enfeitadas por cortinas de renda costuradas pela mulher e iam cair sobre a mesa, refletindo sobre o cozido e metais usados na refeição. Henrique olhava silenciosamente o pai esperando que ele terminasse logo a oração e lhe dirigisse a palavra mesmo que fosse algum pedido para que ele pudesse ser-lhe útil. Mas o pai estava mais interessado em acabar rapidamente com alimento que tinha à sua frente, saciando a sua fome de trabalhador braçal. Pedro se encantava com as luzinhas que via refletidas em seu talher pela luz solar.
Acabada a refeição, o pai levantou-se e foi sentar-se na cadeira de balança perto da lareira. Os dois meninos foram para um quarto da sala que servia de quarto e era separado do recinto por uma grossa cortina de pano. A mãe ficou a retirar os utensilhos usados durante a refeição e levou-os para a pia que ficava ao lado do fogão à lenha. Enquanto passava água nas vazilhas, olhava o por do sol através da vidraça da janela sobre a pia e pensava: "Como é bonito este lugar. Gostaria de poder pintar um quadro desta paisagem como aqueles quadros de pintores famosos que vi na cidade na última vez que fomos trocar nossa colheita". Se pudesse ela ver a imagem que saltava da janela vista de quem estava do lado de fora da casa a olhá-la, saberia que ela era ainda mais digna de ser a modelo de um grande artista. Acabou de colocar a louça para secar, sacudiu as mãos para retirar o excesso de água e pegou a toalhinha pendurada em um prego do lado da janela. A passos lentos, puxou um cadeira da mesa e colocou ao lado do marido. "Escuta, hoje o Henrique não quis me ajudar na colheita da horta e nem preparou os legumes dentros das caixas para levarmos à cidade amanhã. Disse que tinha combinado com o Paulo Estevão uma pescaria no rio e voltou agora à pouco, sem nenhum peixe." O pai que estava de olhos fechados com a cabeça encostada no encosto da cadeira, levantou-se imediatamente e avançou por sobre Henrique, puxando-o pelo braço e gritando: "Como é que é? Você não ajudou sua mãe na colheita? E deu-lhe um tapa que fez o garoto rodopiar e cair de costas no chão, tentando se equilibrar com os braços dobrados na altura do cotovelo.