BIG BROTHER

A cada semana as quatro amigas de infância reuniam-se para a consagrada partida de baralho. E como faziam rodízio, o mesmo fechou-se no apartamento de Helena, a mais esmerada no receber. Enquanto ajeitava os detalhamentos na sala de jantar, iguarias distribuídas, vinho a meia taça, as amigas já estavam alojadas, prontas para o embate. A dupla que perdesse a parada pagava a noitada de cerveja regada a suculentos caranguejos no agradável e ventilado Caranga, nas noites de quarta, quando o mesmo era dobrado. Eram três partidas de dois mil pontos cada. As duplas eram sorteadas na hora, o que já havia sido feito. Luciana dessa vez ficando com Margarida e Vanessa com a anfitriã. Já quarentonas e filhos mais novos beirando a maioridade, maridos espalhados em suas ocupações, as noites dos sábados eram delas, nada existindo a atrapalhar, além da conversa trivial, cada qual a comentar as últimas ocorrências em suas atividades profissionais ou alguma novidade familiar.

– Tudo pronto meninas! Nada mais a fazer. – Acende-se a satisfação no semblante de uma risonha Helena, a sentar-se despreocupada, depois de tudo organizado, pois acabara de liberar Rosalice, a roliça empregada que adorava os ensaios de pagode com Guig Ghetto e Psirico.

– Lena, não lhe apressei para que nada interfira em nosso jogo... Já sabe nê? – Vanessa fita a amiga com olhar severo. Na semana anterior, jogou com Luciana e perdeu todas as partidas. Em qualidade, todas as amigas se equivaliam no jogo. Mas, jogo como sabemos, não dá resultado positivo todos os dias e ela não queria ser novamente alvo das gozações na caranguejada.

– Gente, só um pouquinho de atenção! – Luciana aproxima o corpo do centro da mesa, as amigas também a acompanharem o movimento, aguardando a novidade. – Já notaram que essa empregada de Lena vem engordando a olhos vistos, vocês não acham? – Crava a interrogação nos olhares ansiosos das amigas – Pois vou lhes contar a bomba da semana! – Sorve o vinho enquanto observa as amigas a entreolharem-se e balançarem a cabeça afirmativamente. – Sabem que o Márcio tem a empresa de Segurança Eletrônica. Pois bem, com essa mania de todo mundo filmar a todos a qualquer momento seja em qualquer lugar, ele resolveu instalar umas câmeras lá em casa. Só não aceitei nos quartos dos meninos. Colocou uma na sala e outra na cozinha. Desde segunda está gravando. Meninas, vocês não vão acreditar no que vou dizer! – Debruça mais o corpo enquanto repõe o líquido nas taças vazias das amigas, a atenção de todas já redobrada. – Vocês sabem que Maria tem mais de cinco anos lá em casa; engordou muito, é verdade, mas como esse povo é desleixado, sempre achei natural, pois o mesmo acontecia com as domésticas do prédio.

– Maria já tem mais de cinco anos com você? Como o tempo passa... Como sabem, minha diarista mudo a cada três meses. Não gosto de criar vínculos. – Margarida coloca a taça sobre o porta copo e limpa educadamente os cantos da boca com o guardanapo, olhando atentamente para Luciana.

– Ô Margô, você é despreocupada. Não tem mais os meninos dentro de casa. Conosco é bem diferente. – Vanessa também degusta o tinto suave, enquanto Luciana volta a pedir a atenção:

– Hoje pela tarde ficamos eu e Márcio olhando as imagens já compiladas. Gente, nunca imaginei encontrar o que vi. Se alguém me contasse, não acreditaria...

– Conta logo, Lu! – Exclama uma Helena ansiosíssima, as amigas totalmente debruçadas sobre a mesa, as cartas do baralho na expectativa, já acostumadas com essas mesmíssimas cenas.

– Vocês sabem que sempre confiei em Maria. A casa ficava unicamente em sua mão. E só a encontrava trabalhando. Tinha até pena da coitada. Não saía, quase não tinha diversão, mal conhecia as empregadas do prédio. Sabe esse povo de roça, que fica acanhado com tudo? E além do mais, veio do interior de minha mãe, bem indicada.

– Desembucha Lu. Margô já está roendo as unhas! – Comenta uma aflita Vanessa, enquanto as amigas riem nervosas, a acharem o assunto por demais interessante.

– Pois fiquei chocada... – Continua Luciana. – A cada dia uma novidade. Resumindo para vocês: antes de servir o café, lá pelas seis, tomava o dela. Mal saíamos, repetia tudo de novo. Ao todo, oito pães com queijo, presunto e ovos. A manteiga chega brilhava. Lá pelas dez da manhã, era suco, leite com nescau, iogurte, chocolate, frutas, o que encontrasse pela frente. O que mais me chateou foi ver a safada metendo a colher na comida, esfriando com a boca, comendo e colocando de volta na panela. Meninas, a danada engolia metade do almoço. Todos os dias. Parecia um bicho!

– Vocês sabem que Nêssa trocou uma por agora, desconfiada quando sumiu suas jóias. – Margarida comenta, enquanto Vanessa confirma sem dar ênfase, pois todas já sabiam da novidade, enquanto olha mais atentamente para Luciana, aguardando o término da conversa.

– Pior era com os bifes. Eu sempre estranhei a carne vir tão pouca para a mesa. E ela sempre rebatia, dizendo que depois de tratada e limpa, diminuía mais ainda ao assar. Qual nada! A vagabunda comia quase meio quilo dos bifes, enquanto os preparava. E eu, idiota que era, separava logo a porção dela para os meninos não comerem. Vocês não têm noção da dor que senti vendo tudo aquilo. Pela tarde, sempre tinha uma amiga com ela na cozinha e quando menos esperava, estava lá suco e biscoitos, as duas se banqueteando. Isso todos os dias! E quando perguntei aos meninos, diziam nunca terem visto nada. Não entendo como fazem tanta coisa errada e nunca vemos...

– Pilantras! Ficam a nos olhar com cara de santas e mal damos as costas, estão a usurpar. – O vinho e a raiva misturados no rosto de Margarida, avermelhando as bochechas, os olhos injetados em ódio.

– E quando a colocamos no olho da rua? Creuza, a que mandei embora, me colocou na justiça, aquela vaca gorda! – Vanessa já estava disposta a acirrar os ânimos, quando Luciana pede mais uma vez a atenção:

– Bem amigas, viemos aqui nos divertir. Vamos deixar esse babado para depois. Márcio mandou fazer cópias, depois entrego a cada uma de vocês. Quem quiser instalar as câmeras e só falar. Agora, vamos ao jogo!

Se realmente foi jogada de marketing ou não, não importa. O que sabemos é que o jogo transcorreu com a mesma normalidade de sempre, Vanessa mais uma vez perdendo, apesar do acirramento das duas últimas partidas, os pensamentos nas futuras filmagens a pegar as espertas na pilhagem.

RAbreu
Enviado por RAbreu em 25/05/2010
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