SOLIDÃO (3)

(continuação........)

Tarde cinzenta. Vento espalhado na friagem do dia. Céu feio de chumbo. A chuva que já se foi e que o ventinho chato, insistente, promete voltar.
A moça bonita chega, sai do carro, sobretudo escuro e grosso encobrindo o corpo. Óculos grandes, negros, escondendo parte do rosto e combinando com os cabelos soltos e que o vento despenteava. Seus olhos estavam cerrados, protegidos e nem avistavam nada a frente que não fosse o caminho reto que lhe interessava. Já não tinham mais lágrimas, nem brilho. Caminhava em passos lentos e fortes em direção onde um grupo de pessoas se juntava, em meio ao bosque imenso, árvores ramalhudas, inertes e alheias a tudo que ocorria ao redor.

Enquanto caminhava, as últimas horas vinham cronologicamente à mente. No comecinho da noite anterior, quando voltava para casa, depois do passeio no canto da praia, sentiu aquele aperto no peito, uma angústia ainda maior tomou seu ânimo. Lembrou dele, da decisão que haviam tomado, mesmo desagradando aos dois. Enquanto caminhava, repensava a tristeza sentida, vivida, assimilada e teve a sensação que não iria mais sofrer, não iria mais chorar. Que ele definitivamente estava ausente e para sempre da sua vida. Mas não deu bola aos instintos. Deixou tudo por conta da tristeza que lhe tomava. Atravessou, caminhado, toda a avenida defronte a praia, com a mente já refeita e reformada para os dias seguintes. Subiu o elevador, entrou no apto, tomou um chuveiro rápido e foi deitar. Não tinha vontade de comer nada, nada.

A cama estava imensa, fria e repleta de solidão. Mas não queria mais pensar nisso. Se assim era, que assim fosse. A cabeça já pensando na segunda-feira, nos compromissos, no trabalho e assim se ocupou. Sentiu de novo aquela sensação de que realmente acabara e que não sentiria mais vontade de ligar, de pedir reconciliação, de pedir que voltasse. Pensando assim, sentindo assim o sono foi chegando, chegando e assim dormiu.

Acordou com o telefone tocando, insistente. Pegou-o e o coração bateu forte. Teria ele se arrependido? Resistiria a sua voz? Resistiria em dizer não, ouvindo ele dizer que a amava, que havia sido somente mais um rompante? Pois agora já era tarde, reafirmava pra si. Havia demorado a assimilar, mas estava resolvida. Atendeu sem prestar atenção em quem chamava, já que estava convicta que era ele. Um susto. Era um amigo dele. Olhou o relógio e assustou-se novamente ao observar que já eram 5 horas da manhã.

E veio a notícia do acidente, ocorrido no início da noite. E não lhe falou a verdade. Apenas que havia sofrido o acidente, que estava no hospital e perguntou se não achava melhor ela ir até lá. Lembrou da sensação esquisita da noite anterior e o coração apertou. Levantou rápido, um chuveiro rapidíssimo, a bolsa, chave do carro, elevador, garagem, estrada e expectativa. A cidade ainda vazia, dormindo e rapidamente pegou a rodovia.

Voltou a ligar para o amigo, já na estrada e sentiu algo além de um acidente, de hospital. Somente agora, dia claro, é que ficou se questionando sobre o que fazer, como fazer. Ele tinha sua família lá, sua esposa, sua filha e tudo mais. Não importava. Estava claro que o que os juntava, o que sentiam, era mais, muito mais que um romance só. Que um caso de amor somente. O que iria fazer? Não importava. Voltou a ligar ao amigo comum e entre preparação e meias verdades, confessou o pior. Que sofrido um acidente, que havia se perdido numa curva na serra, que havia caído numa ribanceira e que não havia resistido aos ferimentos e que havia sido fatal.

Sentiu as pernas fraquejarem. Suor frio. Perdeu o senso, a lógica. Parou o carro. Encostou, recostou-se no assento e que solidão sentiu. Que vazio gigantesco tomou conta de si, do seu momento, do seu dia, dos dias que viriam. Que vazio sentiu em sua vida. Sentiu ele ali do lado, riso largo, boca grande, mãos fortes e atrevidas. Não era possível. Acabou mesmo. Agora sim. Mas não chorou, não chorou mais. Não tinha mais o que chorar. Respirou fundo, buscou forças, relembrou à tarde anterior e retomou viagem. Voltou a ligar para o amigo comum. Jamais imaginou que teria a serenidade, o controle emocional que sentiu. Então as informações vieram mais claras. O enterro seria no final da tarde. E ela seguiu viagem, dirigindo calada, até de pensamentos.

E agora estava ali. Caminhando e chegando à sepultura cavada no meio do bosque, da grama. Pessoas tristes, choro, óculos, lenços secando rostos. Aproximou-se e a cerimônia já começava. O caixão no chão, na grama e ao lado uma cova. O padre dizia palavras tantas e ela não entendia nada, não ouvia nada, não queria escutar nem entender nada. Olhou a menina, 12 anos, e tentou sentir o vazio do seu coração. Tentou supor a dor, provavelmente, certamente bem maior que a sua. E a mãe dela, impassível, mulher grande, corpulenta. Tentou discretamente olhar seu rosto e não viu nada além de tudo que já sabia.

Olhou a todos ao redor, o vento cortante sobrando. Tristeza macabra tornando a tarde ainda mais melancólica. Semblantes carregados, rostos fechados escondendo pensamentos sabe Deus sobre o que, mas certamente sobre a estupidez da morte, do fim, assim, de forma tão repentina, tão besta. O padre terminava seu ritual. O caixão levantado, erguido e movimentado para a cova. E lá se ia, terra abaixo e para sempre. Flores jogadas, mais choros, mais tristeza e os operários fazendo seu trabalho. Rotina pura.

A moça bonita ali, a meia distância, calada e só. Triste, calada e só. Sem gestos, sem choro, sem imagens, nem passada nem futuras. Nada. Absolutamente nada. Vazio só. Inércia só. Os operários vão concluindo seu trabalho, as pessoas se afastando. A noite chegando. A senhora com sua filha já seguiam, amparadas, ombros amigos que as acolhiam e que assim se iam. Ali ficava um pedaço das suas vidas. Um grande pedaço. Mas as suas vidas continuavam.

E agora?
A noite já se fazia. Frio na pele, no corpo, no coração, nas entranhas. A moça bonita sentou numa sepultura, sentiu um frio, mas não se importou. Fria mesmo estava a alma. Uma vontade ardida de chorar e não vinham lágrimas. Um filme começou a rodar em sua mente. Levantou, e foi caminhando de volta em direção ao carro. Chegou ao carro, entrou, sentou, tirou o óculos, ajeitou-se bem na poltrona e então veio o choro, vieram as lágrimas e soluçou....... Soluçou.

Ligou o carro, passou as costas da mão no rosto, engatou a marcha e foi...........
Eacoelho
Enviado por Eacoelho em 22/05/2010
Reeditado em 27/05/2010
Código do texto: T2273096
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