TÂNIA

Permaneço com o olhar fixo no espelho. Busco uma ruga que talvez possa ter aparecido ao redor dos olhos ou no canto da boca. Apalpo os seios em busca de algum caroço. Não tenho idade para isso, mas ainda assim costumo fazer. Ainda não cheguei aos trinta e nove, mas é melhor prevenir.

Olho minha vagina, apalpo e sinto o cheiro em busca de algum odor desagradável. Tenho medo de alguma infecção. Ele gosta dela lisa, por isso costumo usar creme hidratante antes e depois das sessões de depilação. Não gosto de ir a essas casas profissionais de remoção dos pêlos, a coisa toda é muito fria, os esteticistas parecem uns robôs, não aprecio essa mecanização horrorosa. Prefiro fazer tudo em casa, eu mesma, do meu jeito.

Após o banho uso sempre uma loção no corpo todo, mas uma loção com cheiro suave, ele não gosta de cheiros fortes, e nem eu. Ele diz que gosta de sentir o meu cheiro, o odor do meu suor na pele dele. Mas esse processo pós-banho eu faço no banheiro do trabalho, espero as colegas saírem ou termino tudo mais cedo para chegar primeiro ao vestiário. Marido sortudo, diz Carminha todas as vezes que me vê. Esse homem deve ter uma pegada, falou uma vez Rosângela, dando uma tapinha na minha bunda. Tem mesmo, eu disse. Quando chego ele está deitado na cama, me esperando. Usa sempre o mesmo moletom cinza. Safado, sabe que adoro homem de moletom, faz para me provocar. Como sempre me pega de jeito, me beija carinhosamente, me oferece sempre uma flor e um doce, sabe que eu adoro. Conto tudo pra ele. Tudo quer dizer, o essencial, não se deve dizer tudo ao homem, só o suficiente. Existem coisas que devem ser mantidas em segredo. Não me deixa marcas, detesto marcas, acho tão vulgar. Adoro mordidas discretas, em locais secretos e imperceptíveis aos olhos dos curiosos, das pessoas vulgares.

Quando chego em casa ele preparou o jantar, como sempre; sua comida é perfeita. Beija-me com aquela burocracia patética. Quando saio do banho ele está vendo TV. Não vem jantar, pergunto, tentando imprimir alguma graça àquele momento. Ele se levanta repentinamente, pede desculpas e senta-se comigo à mesa. Um jantar perfeito não fosse essa terrível perfeição. Sua passividade agressiva me deixa de saco cheio. Algumas vezes quando me olho no espelho acho que sou uma puta. Não coragem de contar essas coisas para ninguém. Um dia pensei em contar a minha mãe, mas fiquei imaginando qual seria sua reação: desmaiar, ter um ataque e morrer, me esbofetear, sair correndo gritando feito uma louca, ou a pior das reações: ficar calada e não dizer nada? Na dúvida sempre preferi ficar calada. Por que eu faço isso? Ele não desconfia de minhas transas fora do casamento? O pior de tudo: eu continuo amando esse homem loucamente. Onze anos de casamento e nosso amor ainda continua de pé. Pareço hipócrita e cínica dizendo isso, mas meu Deus é a mais pura verdade! Não consigo me ver longe desse homem!

Odeio muitos de seus hábitos, suas manias, mas gosto de tantas outras, a ordem, a arrumação, o zelo para comigo e nossa casa. Quantas mulheres dariam tudo para ter um homem assim? Eu me arrependo todas as vezes que chego em casa e olho para ele. Mas logo em seguida tomo um fôlego, ele nunca iria desconfiar. É tão inocente! Além disso, estou sempre disposta para ele. Um dia invocou que eu estava com um cheiro estranho. Era o cheiro de Carlos. As meninas do trabalho, eu disse com firmeza, vendem uns perfumes para aumentar a renda e ficam jogando na gente. Dizem que pra sentir o cheiro verdadeiro tem que passar na pele, não pode cheirar no frasco. Ele desconfiou? Nada! Disse, é verdade, eu sabia disso, tem que misturar com o suor.

Carlos não faz muitas perguntas. O sexo é sempre ardoroso. Nunca freqüentamos o mesmo local. Adoro motéis: posso gritar a vontade. Em casa é sempre aquele pudor e o medo dos vizinhos escutarem. Já pensou no dia seguinte a minha cara e a dele? Eu morreria de vergonha de perceber que algum vizinho escutou nossos gemidos de amor.

Ao final do jantar eu escovo os dentes, solto os cabelos, visto o penhoar azul nenê que ele tanto gosta. Bem, não vem para a cama?, pergunto maliciosa. Ele se espreguiça, me olha com aquele olhar faminto e entra no quarto tirando a roupa.

Uarlen Becker
Enviado por Uarlen Becker em 18/05/2010
Código do texto: T2263870
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.