A Cura
Décadas de pesquisa e lá estava o cientista com a cura literalmente nas mãos.
Tinha queimado numa fogueira extremamente sem graça pilhas e mais pilhas de manuscritos com uma vida de informações: Gráficos, desenhos, fórmulas e cálculos do que talvez viesse a ser a maior descoberta dos últimos tempos.
O resultado final, a nata do trabalho, "a cura" propriamente dita fora compilada para um único disco. Por um momento ele queria ter algo concreto, condensado em um único objeto que pudesse tocar como a um filho.
Agora era só mandar as informações para o laboratório e pronto. A cura seria sintetizada e o mundo salvo. Faria isso amanhã, resolveu que hoje seria dia de descanso. A noite, entretanto, não conseguiu pregar os olhos. Levantou, leu um pouco, assistiu TV e teve então a certeza de algo que a muito suspeitava: Nesse tempo todo em que ele abdicou de uma vida própria em prol de um bem maior, o mundo foi se tornando um lugar cada vez mais corrupto, e piorava a cada dia. No fim das contas a moléstia era o menor dos males, talvez tudo já estivesse condenado. Não pelas coisas grandes, pelas pequenas de quem ninguém tomava conta e acabava participando (voluntariamente ou não). As meias-medidas, o dito pelo não-dito, a futilidade, a indiferença, a ganância, a inveja e mais tantas outras coisas que a cabeça lhe doía só de pensar.
Levantou-se, desligou a televisão e foi até onde tinha guardado o disco. Sentou na sua poltrona de pensar com ele em mãos e lá ficou, decidindo se deveria ou não rachá-lo ao meio com suas mãos grandes e fortes.
FIM