A Segunda Chance
Certo dia, por não ter recebido uma segunda chance, um homem enlouqueceu. Raptou três conhecidos seus e os levou para uma casa abandonada nos limites da cidade, bem longe de qualquer movimentação.
Todos foram amarrados a pesadas cadeiras de madeira previamente presas ao chão, lado a lado.
Com um pedaço de carvão o louco começou a escrever na testa de cada um deles.
TRAIDOR, escreveu no homem a sua esquerda, LADRÃO no do meio e SEMEADOR DE INTRIGAS no da direita. Em sua própria testa ele tencionava escrever JUIZ, mas acabou ficando ZIUJ pois ele não levou em conta a inversão causada pelo reflexo do espelho craquelado (único a disposição naquela casa antiga) que usara para se orientar.
Mostrou aos seus três prisioneiros um revólver. Disse-lhes que ele estava carregado com três balas e que uma delas era reservada para ele mesmo. As duas restantes seriam para os dois que não conseguissem convencê-lo de que mereciam uma segunda chance.
"Apenas um de nós sairá vivo daqui, e minha única certeza é que não serei eu..." disse o louco, repetidas vezes.
Começou então uma maré de pedidos de piedade e clemência. Junto disso veio também uma tempestade que fazia a velha casa tremer. Vez por outra clarões atravessavam as vidraças estilhaçadas e cegavam a todos momentaneamente. Algum tempo depois, com a chuva ainda castigando a casa, os três homens pararam com as lamúrias e passaram a trocar acusações. O louco ficou então sabendo de coisas ainda piores do que já sabia sobre eles.
Já havia escurecido quando ele tomou sua decisão e a anunciou.
A casa, mesmo a ponto de desabar, encheu-se de uma serenidade indescritível. Os cativos ficaram em um silêncio mortal (quase que literalmente), e por incrível que pareça os que mais se aliviaram foram os dois que receberam o veredicto de morte.
O louco então apontou a arma para a cabeça do primeiro deles e já ia atirar quando parte do teto desabou sobre ele. Sua arma voou para longe e disparou ao bater no chão. A bala passou de raspão pela corda que prendia um dos homens, que com um pouco de esforço conseguiu terminar de arrebenta-la e se soltou, libertando os "companheiros" em seguida.
Por alguns momentos ficaram a observar a pilha de telhas, tijolos e madeira velha, sem nenhum sinal do louco. Entreolhando-se, limparam com as costas das mãos os escritos em suas testas. Quando um deles sugeriu tirar o louco dali os outros o encaram com um ar meio debochado, riram nervosamente e foram saindo pela porta. O que ficou começou a revirar os restos mortais do teto. No exato momento em que o encontrou o louco(morto, com a cabeça rachada e uma ripa atravessando seu coração), sentiu o chão estremecer.
O clarão do raio que fulminou os dois homens a alguns metros da casa o deixou cego por algum tempo, até quando um novo dia nasceu.
FIM