Besouros, Natais e Ébrios

Em certa noite tropical e chuvosa, ele se encontra vagando pela rua. Triste. Filósofo. O ar molhado e quente, cheirando a terra e grama, penetrava-lhe pelos poros e narinas e atrapalhava-lhe a mente. Estava abstrato e absorto. Ouvia e não via; via, sentia-se mal. Estava um pouco trôpego, após algumas cervejas e cachaças o que lhe fez cair. Encontrava-se num lugar mal iluminado, com uma relva rasa no solo, uma praça quase abandonada. Caiu e sentiu-se bem naquele lugar, apesar da roupa que ficou enlameada. E pensou nos símbolos, e em quanto ser Homem, homo symbolicus, era o que o possibilitara pensar sobre a sua própria tristeza e desalento. Um carro passou, com uma música natalina ‘remixada’, um funk-christmas, de péssimo gosto segundo ele. Ele ficara preso àquele solo molhado, com todas as alucinações, vapores e suores. Ninguém o via, ou pelo menos, pensara ser assim, e desse modo era mais fácil ser invisível. Era invisível, alucinou. Podia mudar o mundo. A voz da razão _essa maldita_ lhe trouxe a realidade dura e dolorosa de volta ao cérebro .

E eis que, por entre o céu escuro e relampejante e as árvores da praça, passa, rodopiante, com a mesma elegância que inspirou a Rimsky-Korsakov compor a sua brilhante e famosa peça, um besouro. O homem balança a cabeça, gira-a em movimentos loucos, tentando retirar de lá, de sua cabeça, aquilo que lhe provocava dores e ais. Propunha-se a acreditar que besouros, loucos e palhaços eram mais felizes, e assim estavam, e sempre estariam; mas hoje, aqui e agora estavam eles, felizes nesta demagógica noite.

A chuva caiu forte. A lama transformou-se em água enlameada. Os pingos grossos amainavam a dor de cabeça, etílica, do homem, que agora sentia seus olhos também se molharem. Porém a água dos olhos daquele homem era quente e salgada. Pensou novamente em besouros, palhaços... Palhaços-besouros... Besouros que se vestiam como palhaços... Besouros...Besouros... Besouros....

Súbito!

Golpeia com assaz força e ódio o besouro que agora, neste instante, fizera um pouso em sua calça. O enlameado homem sentiu sua mão pesada sobre o corpo inerte e gosmento do besouro que acabara de “extirpar, destruir, esmagar, tru-ci-darrr!” grita com fúria em meio ao silêncio, quer era da praça. Que era seu interior.

Mas percebera certa coisa também: sua perna, após seu golpe poderoso doera sobremaneira. Concluiu que talvez ao se matarem besouros, doem-se as pernas... Logo abandonou este raciocínio, pois julgava-se fraco, um fraco e um ébrio. A chuva já caíra o suficiente, e havia uma pequena estiagem.

Apoiou-se sobre as mãos frias e levantou-se. Pôs-se a caminhar rumo a sua casa.

Tomou banho. Banho quente e purificador. Aromático. Deitou-se e dormiu.

E foi-se um Natal num profundo, pesado e tranqüilo sono.

Laanardi
Enviado por Laanardi em 10/05/2010
Código do texto: T2247756
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