Produção do Tempo - Décimo Sétimo Dia

Amanhã será um dia. Um outro virá a esse lugar. Nada sabemos. Fica o desassossego e a página para ler o teu desassossego. É certo, houve dias de chuva e a alegria regressa em jardins de sol. Viste, Bernardo Soares, o céu rasgado pela luz até ao sul. Os prédios estavam pintados, a roupa pendurada daqueles que a vestem leve ao vento emoldurando a cidade. Lisboa. Ela seria outra depois de ti, mesmo sem ti, seria outra por ti. A rua da Prata, o Rossio, a Praça do Comércio, a linha do Tejo sombreada ao entardecer. A felicidade, eu sei, apenas por não sentir a infelicidade. Disseste, “feliz por não poder sentir-me infeliz”. Bloqueias as minhas palavras, imagino em silêncio o Universo à escala do escritório do patrão Vasques onde tudo se repete na rotina inexorável das certezas. Tão pouco para ser feliz, agora que as nuvens deixaram o infinito banhar os passeios azuis de gente, vendem-se bananas e jornais, possivelmente muito mais, neste dia de sol -, “depois que as últimas chuvas passaram para o sul, e só ficou o vento que as varreu.” A hora corre por dentro de si, este dia de sol ao vento em que viver é ir descansadamente e saber ou não saber comprar bananas numa qualquer rua da baixa. Imagino. A certeza de voltar amanhã, quando a luz única do poente de Lisboa mergulhar a cidade em personagens de outra gente, jornais de uma data que não é de hoje, de alguém que não seja o mesmo. Mais ainda, tu que foste um outro nesse lugar.