MAGOA

Lá fora, deve ser encostado ao muro, tem um saco de lixo vazando um odor de podridão.

Ninguém faz nada. Ninguém não liga. Alguém precisa fazer alguma coisa.

Coisa nenhuma é feita.

O que deve ter naquele saco podre vazando um odor fétido, podre, de coisa morta e salgada: um cadáver de animal já em estado de putrefação? Restos de bacalhoada? Refugos de um churrasco misturado com carvão?

Que cheiro podre, é como ovo estourado torrado ao sol, mas ao mesmo tempo animal morto de carne suada e salgada.

Ninguém faz nada. Esse cheiro podre que deixaram na calçada... Passam, sentem, não falam nada, olham, vão descansar em paz depois de sentir engulhos.

Deve estar encostado ao muro.

Passam os garis, varrem a outra calçada; empurram folhas secas para as sarjetas...

Ninguém faz nada.

Que cheiro hooorrível!!!

Fétido. Podre. Estar aqui bem rente à calçada, derramando um liquido viscoso que escorre demorado, já percorrendo – denso como óleo – o meio fio até alcançar um bueiro.

Cadê alguém para agir, mas fazer o que? Ninguém faz nada.

Tudo é esse odor asqueroso, imundo no seu cheiro de sal e podridão. Parece à própria carne humana.

Ninguém faz nada. Ligam tevês, ouvem musicas, gritam uns com outros, e o fedor sobe em nuvem invisível, do saco abandonado à calçada com um resto de algo que deve apodrecer na solidão da podridão.

O saco preto com algo podre está fedendo, fedendo, e seu liquido descendo devagar pelo fio da calçada vai indo, indo, indo até encontrar a boca aberta do bueiro.

A boca aberta do bueiro que bebera o sumo da podridão e levará para as entranhas da cidade.

Ninguém faz nada.

Faz nada. Nada. Nada.

Rodney Aragão