À Noite Do Túmulo

- O esboço das palavras esta presente na alma e ausente nas mãos, não que seja inefável.

- E qual perante um desafio não almeja ser maior que o qual o desafiou, disse-me em tom afável Analisa.

- Escrever-te-ei a harmonia perfeita, meu ser me desafia, quando não consigo compor a melodia que desejo.

A boda em sua etimologia vinha-me latejar. Prometi entregá-la, de certo antes de um mês e meio. Dois meses e estou inerte com o piano. Busquei a inspiração nas tardes de outono e nas noites serenas. Os dedos acariciavam notas e notas, harmonias e harmonias, contudo, nada.

Parti de casa, solitário, para um concerto de música clássica, ouvir, sentir, perceber e quem sabe criar o original. A apresentação foi agradável, mas nada de extraordinário, exceto uma mulher que cantou solo, sua voz era como a de um instrumento dos deuses perdido no abismo dos tempos e esquecido em um simples mortal. Abordei-a para elogiá-la e quem sabe atraí-la, visto que a muito procurava uma mulher para cantar ao fundo do som de meu piano. Levei-a para tomar um bom vinho suave e confabular sobre a vida.

- Estes dedos devem ser de um pianista esforçado, entoou-me olhando para minhas mãos.

- Sim, a muito estudo e toco.

Falei-lhe a respeito da melodia prometida e que ainda não encontrara as notas certas, então ela ofereceu-se para ajudar-me. Talvez com a sua voz, atingi-se o meu objetivo. Fomos até o meu aposento. Iniciamos um improviso, para aquecer os dedos e esquentar a garganta. A mulher com um ar aguçado, logo proporcionou uma diversidade de sons e inúmeras harmonias, assustando-me com tanto talento e erudição. Finalmente encontrara a melodia certa. Ligeiramente pus-me a gravar a canção. Ela cantava e eu tocava, ambos perfeitos. Entendi que a voz daquela dama, inspirava-me como musico e que precisaria dela para o resto de minhas músicas vindouras. À noite por fim decorria dei-lhe minha gratidão e pedi para que regressasse outro dia, para pegar metade do valor que receberia, não via nada mais justo. Iniciava uma parceria frutífera e respeitosa.

Durou em torno de dois meses e meio nossas apresentações. Ela estava doente e no terceiro mês faleceu. Parentes, amigos estavam presentes em seu enterro, muitas pessoas que sentiam e admiravam.

Deste dia em diante vi-me sem entusiasmo, andava de canto a canto em meu aposento e nada de melodias. A mulher morrera e com ela minha inspiração. Estava sem nada, repleto de dividas, sem amigos. Colocava na vitrola nossas músicas antigas, para sentir-me inspirado novamente, porém não ocorrera nada. Meses e mais meses, perdido e miserável.

Fui visitá-la no tumulo, olhar sua lapide e tentar senti-la. Não me vi ter outra escolha. Levei folhas, pluma e tinta, observando o tumulo procurava relembrar sua voz e seus gestos, quando finalmente entendi que era a mulher por inteira que me fazia criar as cousas novas e oriundas de dentro. Calei-me, e por instante elucubrei.

Após alguns meses estava novamente inspirado e feliz, com as dividas liquidadas e repleto de amigos, fazendo sucesso e revivendo de novo. A vida estava ótima, todos me amavam pelas minhas melodias.

Na noite do tumulo, que é assim que a chamo, noite do tumulo, desenterrei os sete palmos de terra que a recobriam e levei-a para meu aposento, no porão. O porão é onde componho as harmonias e a mulher avista-me com seus olhos inertes, um ar surreal. Face de minha vida e perfume de sua a morte. Dama de minha inspiração.

Diego Martins
Enviado por Diego Martins em 04/05/2010
Código do texto: T2235954
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