O PESO DO MUNDO SOBRE UMA CABEÇA RACHADA

Posso jurar que vi um peixe, embora ninguém acredite. Pensei também que estava louca por que eu tinha certeza de que o peixe estava querendo encher a cara. Não, o peixe não era eu! Eu já havia entornado todas muito antes de ver o peixe se debatendo na cerveja que caiu da lata que estava ao meu lado quando um maldito veio correndo e derrubou. Foda-se se tinha gente brigando! Se existem problemas a serem resolvidos, que façam como meu amigo peixe e encham a cara. Encham a cara! Peixe tem rosto ou cara? Que peixe era aquele que queria mudar o ciclo natural, mudar o que a natureza tão corretamente impôs? Os peixes deveriam estar na água assim como eu deveria estar em casa.

Eu deveria estar em casa. Minha mãe dissera que eu não devia sair, que no carnaval acontecem muitas brigas. Na verdade ela não queria que eu caísse no pecado da carne, que não abrisse as pernas para aquele desgraçado que havia prometido amor eterno. Prometeu, o desgraçado, e não cumpriu.

Quando contei que havia dividido minha dor com um peixe, ninguém acreditou. Só por que bebi, bebi muito, não quer dizer que não era capaz de diferenciar um peixe bebendo cerveja de um Santista que viesse querer me comer. Muito mais fácil eu comer o peixe! Carne branca não me apetece muito porque sem o vermelho falta paixão, e tudo que é muito alvo é apático demais. As enfermeiras que diziam que eu precisava de glicose eram apáticas demais. Afinal de contas, era carnaval. Poxa! A menos que você seja uma baiana, não há razão para se vestir de branco. De branco eu me vesti há dois meses, quando o ano começava maravilhosamente bem e Alex era um anjo , com asas e tudo. Depenava e fazia uma fritada. Carne branca de peixe regado à cerveja ou peixe grelhado.

Não comi meu amigo! Meu amigo me tomou no colo e disse que eu precisava ir para o hospital. Muito triste essas pessoas que não sabem o que é sofrer, que no menor susto correm para um médico, um psiquiatra.

Eu não precisava me tratar. Não havia nenhum traumatismo na minha cabeça só porque aquelas pessoas todas passaram por cima de mim fugindo de uma arma que ninguém viu. Eu não quis matar ninguém! Meu spray de pimenta de nada serve se os olhos de Alex não estiverem pertos o suficiente dos meus. É triste sentir todo o peso do mundo!

Falei exatamente tudo. Exatamente tudo se resume a nenhuma frustração. Não era demasiadamente triste, e muito mais triste ao ser deixada sozinha no carnaval, por que o mesmo havia acontecido com minha mãe. O fato de não ter pai em nada interfere a forma como vejo o mundo, como vejo os homens e como desesperadamente temo ficar sozinha. Disse tudo isso para meu amigo que queria me enfiar na ambulância, para a enfermeira que me olhava com cara de bunda me achando uma vagabunda na quarta-feira de cinzas toda machucada e abandonada.

Queria que Alex me pedisse em casamento, não meu amigo com aquela paixão platônica disfarçada de amizade.

Disfarcei meus temores me casando. Disfarcei que não conhecia quando vi Alex buscando seu álbum de casamento quando contratava o fotógrafo do meu. Disfarcei minha loucura comprando um peixe igual àquele dizendo ter sentido pena e levado o verdadeiro, o bêbado, para casa. Como teria sobrevivido sem água eu não sei! Eu não estou viva mesmo sem o Alex, mesmo carregando o peso do mundo dentro da minha cabeça fraturada.

Um brinde a natureza que me fez mergulhar!

Fabiano Rodrigues
Enviado por Fabiano Rodrigues em 03/05/2010
Código do texto: T2234184
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