Uma pequena grande nulher
Ela bateu na minha porta cerca de 22:00 h de uma sexta feira. Trazia alguns livros e uma sacola com roupas, relógios e óculos. Eu como sempre fazia após o jantar sentava-me para ouvir música e a esta hora com a companhia de uma cervejinha gelada. Naquela noite especialmente fazia bastante calor. Convidei-a para entrar. Ela me ofereceu os produtos que trazia. Eu argumentei que estava desprevenido, pois não recebera meus honorários, mas que segunda feira iria ver seus produtos.
– Puxa, você tem bom gosto. Posso ficar um pouco e ouvir música com você?
– Claro! Aceita uma cervejinha?
– Sim! Respondeu-me, faz muito calor.
O papo desenvolveu-se e me contou que havia sido despedida do Supermercado onde trabalhava e então defendia-se vendendo objetos para seu cunhado aposentado da brigada militar. Conversamos e até dançamos ao som de um bolero. Quando nos demos conta eram quase 2:00 h da madrugada.
– Puxa! Preciso ir, amanhã tenho que levantar sedo.
– Onde você mora? Perguntei.
– Na Assis Brasil.
– Ok! Eu a levo.
Naquela época eu ainda tinha o Maverick em bom estado então a levei até um pequeno cômodo em uma pensão no final da Avenida Assis Brasil. Despedimos-nos e voltei para meu apartamento na Benjamim Constant. Pensei na garota no caminho. Na época eu havia me separado e morava sozinho. Ela era o tipo de mulher que me agradava era de baixa estatura, não era um padrão de beleza, mas era simpática e alegre. Eu sempre tive uma preferência pelo tipo mignhon. Talvez por ter me decepcionado em algumas ocasiões com mulheirões. Mas eu tinha já 47 anos e ela 23. 24 anos de diferença me fizeram supor que deveria pensar em outra coisa.
Passou-se uma semana e eu envolvia-me com meu trabalho, uma prancheta de desenho, tinta Nankin, demais apetrechos de desenho montando folders e cartazes. Então sábado pela manhã o porteiro eletrônico tocou. Era ela.
– Vim te visitar, posso entrar?
– Claro! Respondi. Convidei-a para almoçar e fizemos o almoço a 4 mãos. Após o que inevitavelmente nos envolvemos e acabamos em meu quarto. Passamos uma tarde incrível e ela ficou para jantar. Lá pelas 23:00 Fomos para um segundo tempo ainda melhor que o primeiro e após o banho preparei-me para levá-la para casa.
– Posso ficar com você?
– Claro! Não só pode, como deve.
Quando a deixei em casa, eram 3: 00 h da manhã de segunda feira. Quando a beijei, não resisti e falei.
– Quer morar comigo?
– Quero! Estava pensando, quando me perguntaria isso.
– Ok! Arrume suas coisas. Apanho você amanhã pela manhã.
Terça feira fizemos a mudança de seus poucos pertences em duas viagens no Maverick. Então começou uma das melhores fazer da minha vida. Gostávamos das mesmas coisas e nos entendíamos completamente. Não conseguíamos mentir um para o outro. Certa ocasião pediu-me para visitar os pais em Santana do Livramento. Ficaria 30 dias, mas ao cabo de 10 estava de volta.
Assim íamos levando a vida fazendo dos momentos de prazer algo renovado a cada dia. Era companheira sempre, inventando e recriando o amor por puro prazer. Já estávamos juntos a seis meses quando decidi que era hora de uma conversa seria. O que afinal sentíamos um pelo outro?
– Não sei respondeu ela. Sei que quando estamos juntos eu me sinto segura. Nos amamos a nossa maneira. Não sei se isto é amor. Eu tive uma decepção ainda muito nova e achei que jamais encontraria alguém. Então encontrei você.
– Ok! Respondi. Mas precisamos definir o que faremos. Eu tenho 47 anos, você, 23. Você ainda será uma mulher plena e eu estarei velho.
– Há! Deixa pra lá, isso não importa. Vamos até onde der.
– Ok! Mas você não tem um sonho? Um projeto de vida? Ela ficou pensativa e depois falou.
– Acho que fico com você até que me mande embora. Projetos? Tenho apenas um sonho.
Meu pai era índio e como tal, distribuiu as terras e cabeças de gado por igual entre os filhos. Para mim tocou um pedaço de terra e 4 cabeças de gado. Somos 9 irmãos. Eu sonho em comprar uma terra vizinha e anexar para caber mais umas cabeças. Mas isso é um sonho distante. Já até falei com o proprietário e ele disse que para mim venderia. Ele deve muito ao meu pai. Mas não tenho como. Bem! Deixa pra lá.
No dia seguinte liguei para o irmão dela e pedi que obtivesse o preço da terra. Eu ainda tinha umas economias e enviei o dinheiro para que ele comprasse a terra e me enviasse a escritura em nome dela para minha caixa postal. A operação deveria ser mantida em sigilo. No dia em que comemorávamos 2 anos juntos, eu a levei para jantar e então entreguei-lhe o envelope.
– Não acredito! Você comprou a terra? Este papel é de verdade? Seu cretino! Isso deve ser sonho.
– Não! Não é sonho. Ou melhor! É o seu sonho não?
Eu havia prometido a mim mesmo que se ela ficasse comigo pelo menos 2 anos, eu lhe daria a terra.
Continuamos levando uma vida compartilhada plenamente. Às vezes ela me surpreendia olhando para alguma mulher bonita e apenas comentava.
– Pode olhar a vontade, hoje a noite é a mim que você vai ter.
Então num belo dia percebemos que estávamos juntos há quase 15 anos.
Ela chegou-se, sentou no meu colo e disse.
– Bem! Eu vou fazer 38 anos, logo vai começar aquela chateação de pré-menopausa, você vai fazer 62. Não tivemos filhos. Vivemos até aqui uma vida repleta de momentos em que nos amamos com lealdade com talvez um tipo de amor que não conhecemos, mas que soubemos viver. As rugas virão e eu não serei mais a tua baixinha. É hora de ir. Não terei outro homem. Vou cuidar de minha mãe, das terras e de uns boizinhos. Então nos despedimos. Tenho saudades, claro!
Durante algum tempo nos correspondemos, depois paramos. Às vezes relembro os momentos em que até quando brigávamos, parávamos no meio da briga um rindo da cara do outro e acabávamos sempre na cama. Depois riamos porque nem lembrávamos o motivo da briga. Então ela se foi. Eu também não mais consegui viver com alguém. Já houve duas tentativas, mas sem sucesso. Então continuo sozinho. Não sei se ela teve ou não um outro alguém, mas não importa. Acho que esta história era minha última dívida para com aquela pequena grande mulher. Maria Euzelia O. Silveira. Onde quer que esteja. Um beijo em seu coração.