O ENGANO

Conto – O ENGANO

Era noite. Chovia torrencialmente. A lua se escondera nas nuvens que despejavam suas águas na terra ressequida do sertão. Era a redenção de uma gente que aprendera desde cedo a conviver com o sofrimento que a seca trazia a toda região.

Jurema, desafiando os elementos da natureza, saiu de casa e embrenhou-se pela mata escura. Parecia fugir de algo muito terrível. Com passos apressados, já estava muito distante de casa. Seu corpo esbelto e bem cuidado, faces coradas, deixavam transparecer o viço da saúde. Seus lábios contraídos e olhar profundo demonstravam preocupação. Naquela hora, ela fugia. Estava tão apavorada, que não se atemorizou com a solidão da noite, tampouco com a chuva grossa que caía. Ouvia-se o canto do vento ao contato com as folhas das árvores e o murmúrio do rio que corria levando tudo que encontrava pela frente. O céu mostrava-se de uma cor escura que dava medo. Bem longe do céu, porém, estava Jurema. Corria assustada sem se dar conta de que uma tempestade violenta desabava. Como tudo estava diferente! Aqueles lugares por onde passeava nas manhãs de sol com sua mãe, não eram os mesmos. A noite traz um medo estranho à sua alma e a paisagem antes tão acolhedora, parecia, agora, querer negar a sua paz. Ah! Como necessitava de paz naquela hora sombria! Onde estavam as flores que admirava? E os frutos das árvores que as deixavam mais atraentes? Para onde foram os passarinhos que trinavam, balançando-se nas palmeiras? Como tudo mudara! Não se via mais o céu, o grande lençol azul sobre sua cabeça. Agora, mais do que nunca, precisava contemplar o céu, conversar com as estrelas, levar suas dores para bem longe dali. É nessa hora de ânsia e solidão que as lágrimas correm-lhe pelas faces em cascatas. E uma tristeza que não se estancava mais lhe invadiu o ser. E pensava na sua mãe, nas irmãs, e por que não, no pai.

Envolvida nesses solilóquios, Jurema assustou-se com o barulho que vinha das margens do rio. Escondeu-se entre duas árvores robustas e pensou que estava protegida. Engano seu. De uma só vez, ouviu o ribombo de três tiros. Parou. Na imobilidade em que estava, era impossível que a encontrassem. Tinha as faces lívidas e os olhos fixos em um ponto além.

Da orla do mato, pôde avistar três homens que ela demorou em reconhecê-los. O que queriam? Teriam vindo a sua procura? Não pensava na possibilidade de voltar para casa. Não! Começar tudo de novo... Nesse momento os homens se aproximam. Jurema os reconhece. Eram trabalhadores de seu pai. No entanto, eles não a vêem e disparam suas armas que atingem a moça. O espanto que se revelou nas faces daqueles homens, Jurema não pôde ver, mas ficou confusa quando ouviu:

-O cara não está aqui! Atiramos na filha do patrão... E agora, o que vamos dizer para ele?

E Jurema pensou: “Que cara seria esse que eles procuravam para matar? Seria o seu amado”? Um frio gélido percorreu seu corpo e só pôde ver sob a névoa que cobria seus olhos, o chão onde caíra pintado de sangue. Desmaiou.

Enquanto isso, na fazenda, Senhor Aristides aguardava a chegada dos peões e estava longe de imaginar o que teria acontecido a sua filha.

Absorto em seus pensamentos, o fazendeiro nem notara a presença dos seus homens na varanda, trazendo nos braços sua filha quase morta.

- Seu Aristides, não encontramo cum tal de Guilerme não. Pensamo qui era ele e atiramo. Oia aqui o resurtado.

-Facínoras! Covardes! Saiam daqui!

O pai dobrou-se para abraçar a filha exangue, quando ouviu Jurema, entre gemidos de dor, soltar dos lábios já sem vida:

-Perdoa-lhes, papai! Eles não têm culpa. Não era em mim que queriam atirar... era... em... Gui...Gui... lher... me.

Mal terminara de balbuciar o nome do seu amor, pendeu a cabeça para o lado onde estava o pai e morreu.