O Clube de Xadrez

"Não, não consigo ouvir...".

"É claro - O som não se propaga no vácuo!" Ela riu, talvez não por achar realmente alguma graça, e não achava... Aquela era mais uma uma das piadas que lera em algum exemplar daquela revista com o garoto orelhudo na capa. Bateu no joelho como faziam os caipiras dos desenhos animadas, e desceu a escada sem olhar para trás. Sabia a importância que dávamos ao que dizia, ela era a única que agia como uma protetora - Ainda mais quando o assunto eram piadas maldosas dos garotos do time de futebol. Mas havia momentos como aquele, onde era ela quem atacava... E existia uma resistência quanto aos ataques, ninguém queria ser alvo das piadas dela, eu acima de tudo e todos, e para minha felicidade era como se houvesse um manual que me auxiliava na fuga de situações propensas a qualquer comentário hilariante, como se algo dentro de mim soubesse o exato instante em que ela dispararia o torpedo de mais uma piada aterradora. E lá estava eu, escapando mais uma vez... Hoje percebo que a vantagem, não estava em um manual propriamente dito, e sim em ser novo no grupo, "Os novatos... são café-com-leite, você sabe, não é?" e eu assentia mantendo a boca fechada, sorrindo com os olhos. Ela era como nós, perdida, desprezada, talvez por ser grande... Por ser diferente das outras garotas.

Mas o perigo maior estava nas aulas de educação física, fora do horário... Ou seja, morte súbita.

Logo quando cheguei, não vi nenhum dos garotos que eram alvos das famosas piadas dos garotos maiores, e quando aquilo acontecia, era hora de pensar rápido. Os garotos maiores tendiam a encontrar um sucessor temporário para descarregar toda graça acumulada durante uma partida desastrosa entre os titãs reis futebolistas da força bruta e os meros mortais... Que no máximo conseguiam uma bela fuga correndo sem nem prestar atenção na bola, ou uma nota alta em matemática. E aquela tarde enquanto eu descia os degraus em direção a quadra... Ou seria melhor dizer, guilhotina, eu sabia que não haveria muito a se fazer. Costumava pensar que era mais um super-herói sem poderes fantásticos que ficava de fora das revistas em quadrinhos, mas isso não surtia efeito nenhum quando sobravam - Os renegados, no banco. E eu era um deles. A professora, uma mulher de meia-idade com nome de flor que me foge à memória, parecia não enxergar as atrocidades em quadra - Insistia que algum dos times continuassem escolhendo os garotos que sobravam, o que gerava alguns palavrões, mas por fim, depois de balançadas de cabeça, dedos do meio e caretas.

Eu jogaria mais uma vez um futebol atabalhoado, um futebol que super-heróis sem poderes fantásticos não sabiam jogar... Ao ouvir meu nome desejei que uma árvore, um raio, um meteoro me atingisse assim que eu entrasse na fila junto dos outros - Um pensamento que sabia não ser exclusivamente meu, todos os outros garotos dariam suas vidas para ficar de fora do jogo. Vidas que até certo ponto eram diferentes da minha, resumiam-se, em jogos de vídeo game, revistas em quadrinhos... E até bonecos do Guerra nas Estrelas. Enquanto a minha era só mais uma vida, sem grandes projetos, viagens ou realizações. Fui só um garoto invisível.

Antes que a professora fechasse o portão, olhei uma última vez por cima do ombro, foi quando os vi, todos no alto da escada, com camisetas idênticas... Letras irregulares que exclamavam em uníssono aos meus ouvidos "Clube de Xadrez!" A salvação, aquela era a salvação dos pequenos, dos heróis sem poderes fantásticos, xadrez... Vencer em uma partida de xadrez.

Jean Levi
Enviado por Jean Levi em 29/04/2010
Reeditado em 29/04/2010
Código do texto: T2227359
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