Não se esconde...
– As próprias vontades em páginas escritas na terceira pessoa. Tampouco é totalmente aconselhável usar a si mesmo, sem que cometamos o erro de cair nas armadilhas idiossincráticas, manias, certezas e outras mentiras intimas. Aquela noite quando pegamos o trem na Gare de Lion – Destruí tudo, exatamente tudo o que havia escrito desde o primeiro dia no apart-hotel de Maurício. Estela ajudou-me picando as páginas em pedaços minúsculos jogando-os em seguida, em diferentes latas de lixo. O primeiro passo... Pensei desviando os olhos da máquina de escrever dentro da mala. Estela sorriu – “O que está pensando?”. Seu riso era contagiante, e por alguns instantes senti um contentamento de tê-la por perto, como acontecera quando estive com a Ninfa Lapine no centro do labirinto. Perguntava-me se ela estivera no festim e se sabia do que acontecera no labirinto. Estela perfilou-se e suspirou tirando a carta que eu havia entregado leu o endereço em voz alta.
“Avenue Jean Jaurés” Repeti “Coincidência? Ou acha que há de fato uma casa lá?”. Estela sacudiu os ombros levantando-se, o trem vinha vindo – “O hotel fica nessa mesma avenue, acho melhor passarmos no hotel primeiro, Benjamin conhece a casa, será melhor ter a ajuda dele...”. Durante os quase cinquenta minutos de viagem Estela preferiu não dizer nada, recostou a cabeça em meu ombro e adormeceu. Era véspera de Natal, e em todo lugar luzes iluminavam árvores, ruas e casas. A neve parara de cair a horas e Estela acordava depois de um beijo meu – Deixamos o trem acompanhando uma dúzia de pessoas que tão sonolentas quanto Estela caminhavam aos tropeços. Estela pedia informações para um guarda na plataforma enquanto eu tentava manter um braço cruzado sobre a mala azul, com a outra mala entre as pernas, Estela chamou-me e apontou a saída, cinco minutos depois estávamos entrando em um táxi.
“Quanto tempo até o hotel?”.
Estela mostrou a mão aberta.
“Cinco minutos?”.
“Cinq... minutes” Disse o motorista olhando pelo retrovisor.