Primeiro Texto
A minha Vó Didina era uma avó com nunca se viu antes uma avó.
Alta, sempre bem arrumada, cheirosa, nunca ninguém a viu sem um baton vermelho nos lábios e um sorriso nos olhos. E o sorriso que aqueles olhos traziam era um sorriso de quem está se divertindo com a vida.
Minha Vó Didina morava em um apartamento numa cidade pequena na serra e eu passava as férias de julho com ela. E foi aninhada na cama dela, entre colchas de lã, que eu ouvi estórias de um tempo em que as mulheres não se separavam e não trabalhavam.
Era uma avó cultural. Com ela, conheci circos e cinemas. Fui a parques e a restaurantes. Descobri livrarias. Em sua casa, havia um quarto com uma estante imensa, com livros de todo tipo e assunto. E eu me perdia ali por horas, olhando as lombadas dos livros e lendo trechinhos antes de resolver o que queria ler... assim como quem prova sorvetes. Vem daí o jeito que eu escolho livros até hoje.
Era uma avó musical. Sua casa era cheia de sons. Sempre tinha alguém conversando e rindo na sala e o ar se enchia de música desde a manhã. Foi com ela que eu aprendi a dançar. Quando eu era bem menina, ela colocava os meus pés sobre os dela, me segurava pelas mãos e dançava comigo pela sala, me dizendo para fechar os olhos e deixar a música passar pelo corpo... dizia que a música sabia o caminho. Vem daí o meu gosto de dançar de olhos fechados, enquanto o som percorre o corpo e me leva junto com ele.
Minha avó tinha um namorado. Namoraram durante 50 anos e era bonito ver o carinho dos dois juntos. 50 anos depois, ele ainda escrevia poemas de amor em caneta vermelha para ela. Uma vez perguntei por que não se casavam. Ela me olhou com um olhar sábio e me disse, com um quase sorriso nos lábios... “querida, você já viu como ele me trata?... quando a gente casa, a gente é que cuida deles”.
Ela era uma mulher à frente de seu tempo, separou-se nos anos 50 em uma cidade pequena e foi trabalhar para criar 4 filhos. Mas não era isso o que mais me impressionava nela. Impressionante era o raciocínio rápido e o humor sutil naquela senhora idosa, sempre acompanhado de um olhar que levava um sorriso divertido e cúmplice.
Minha Vó Didina me ensinou muitas coisas.
É verdade, houve histórias e filmes. Houve peças e espetáculos. Houve música e livros. E, sim, eu trago isso comigo. Mas foi o exemplo da coragem, do humor e da vontade que marcou os coloridos invernos da minha infância.
Segundo Texto
A minha Vó Landa era uma avó de conto de fadas. Pequena, macia, muito branquinha e com sorriso morando nos olhos. Na casa dela, os verões ganhavam cores e sabores que só se via por ali... e eu descobria coisas novas todos os dias.
A cozinha tinha uma mesa grande, onde nunca faltaram páginas brancas, lápis de muitas cores e risadas. Bonequinhas de papelão eram desenhadas com espaço para os dedos das crianças virarem pernas de dançarinas. Lacres laminados de latas de Nescau serviam de molde para riscar rostos de moedas em esculturas prateadas. E dedos gordinhos e infantis eram autorizados a tocar em agulha e linha para aprender a bordar borboletas em panos de prato.
Um enorme quintal com ladrilhos vermelhos abrigava plantas de todas as cores e formatos e uma família de beija-flor vinha tomar água todas as tardes. Imensos tanques de azulejos brancos viravam piscinas nas manhãs de dezembro enquanto mangueiras verdes regavam as crianças naqueles dias quentes.
Em dias de chuva, os móveis da sala abriam espaço para as brincadeiras sentadas no piso de madeira escura. E minha avó sentava-se conosco para jogos de tabuleiros intercalados com histórias de sua infância.
A minha Vó Landa cozinhava divinamente. De um jeito que só avós sabem cozinhar. As almôndegas que eu provava na casa da minha avó eram sempre macias por dentro e crocantes por fora. Os bolinhos de chuva escorriam recheio quando a gente mordia. E as empadas tinham uma massa que era a melhor da vida.
Quando eu era bem menina, gostava de sentar na cozinha ampla e ficar ouvindo estórias enquanto minha avó desfazia massa de empada com os dedos. Sim, porque minha avó dizia que massa de empada não pode ser amassada, tem que ser desfeita. E ela ficava ali, por hora, hora e meia, desfazendo farinha, ovos e azeite entre os dedos, enquanto coloria o ar com relatos de fadas, princesas e gnomos.
Ela me deixava desfazer a massa junto com ela... e os dedinhos infantis brincavam com a farinha enquanto os olhos se perdiam encantados nas imagens das estórias que a voz da minha avó desenhava para mim.
Minha Vó Landa me ensinou muitas coisas.
Com ela aprendi a bordar e a não ter pena de desfazer os pontos. Aprendi a recomeçar sempre que preciso. Aprendi a ter paciência para deixar os rostos se desenharem por trás de lacres laminados. Aprendi que beija-flores sempre chegam quando a gente não esperava e se vão antes do que gostaríamos, mas sempre voltam. Aprendi que farinha se suaviza com toques suaves, se endurece com movimentos bruscos e que precisa de um dedo de prosa para ganhar sabor.
Os anos passaram e, em outros verões, eram os meus dedos que desfaziam a massa da empada naquela cozinha. E, enquanto a minha voz desenhava no ar estórias dos meus medos e receios e das minhas vitórias e conquistas, os dedos da minha avó brincavam com a farinha e o seu olhar desfazia o que era triste e dava encanto ao que era feliz.
Eu nunca aprendi a cozinhar como a minha avó. Mas gosto de pensar que sou boa no dedo de prosa.
(Fevereiro de 2010)