IN REQUIEM
E todo dia, mal o dia começa, lá estão eles - "os elefantes" - nas mesmas posições que escolheram e teimam em não abandonar. Defendem assim os seus lugares com as suas presenças inúteis, ociosas presenças. Bundas esparramadas nas cadeiras, corpos derreados sobre as mesas, gavetas que se abrem e se fecham sem mais nada de importante para guardar ou esconder.
Aqui e ali alguns restos dos velhos tempos que vivem a exaltar a invocar a clamar...
Papéis rabiscados ao acaso; garatujas sem arte e sem nexo, balanço da contabilidade doméstica - que sempre fecha no vermelho; cálculo de reajuste de salário - sempre defasado; relação das prestações a pagar - eternos escravos do crediário.
Às vezes reclamam - força do hábito.
Não há nada mais a fazer quando se espera, designadamente, a hora de morrer.
Lápis canetas borrachas grampeadores clipes carimbos que importância têm as armas depois que a guerra acaba?!
Os "profetas do apocalipse", escabriados, preferem esperar novas notícias Boatos contraditórios circulam pelos corredores. Jornais passam de mão em mão. Na dúvida o melhor é esperar a próxima edição.
E voltam ao nada fazer de antes.
De vez em quando uma agitação - um mensageiro acaba de trazer mais uma notícia da corte - o rei suspende a sentença ¬não haverá extinção.
Na reestruturação caem os "malditos invasores". Satisfeitos os "antigos" - com ares de donos e senhores - regozijam-se e aproveitam para execrar os "desertores".
Na falta de heróis mais excitantes, as emoções ficam por conta:
Da empregada que rouba.
Do marido que trai.
Da sogra que enche o saco.
Do filho que dá trabalho para comer, demora a dormir, chora para não ficar no colégio, descobre a coleguinha, faz gracinhas inteligentes, solta o primeiro palavrão, começa a fazer perguntas embaraçosas (que a mãe nunca sabe responder).
Da filha da vizinha que está grávida e o rapaz não quer casar.
Da colega encalhada que se envolve com homem casado.
Dos trejeitos do rapaz mora ao lado.
Do final da novela que nunca agrada.
Das cenas do próximo capítulo.
Se vocês gostaram, não percam.
Amanhã, no mesmo lugar, no mesmo horário, exatamente igual.
Até que a morte nos separe
Amém