O CASAMENTO DE AMÁLIA

Amália, era minha avó materna. Eu vivia grande parte da minha infância em sua casa. Ela e meu avô Arlindo, viviam em harmonia e sempre considerei um modelo de casamento bem sucedido. Ela fazia o almoço sempre com carinho pois sabia de suas preferências. Meu avô comia basicamente, arroz branco com bife acebolado, feijão e uma salada básica de tomates e cebola. Naquela época praticava marcenaria em uma pequena oficina nos fundos da residência. Era bom marceneiro e me fascinava sua habilidade, no trato da madeira e como carinhosamente aplainava com cacos de vidro, deixando a madeira lisa e sem ondulações. Sempre assoviando, passava o dia em volta de suas peças de armários e outros itens encomendados por seus clientes. Minha avó me encantava com suas histórias da família e de costumes de uma época longínqua de quando ainda era jovem e cheia de sonhos. Seu pai, fora um rico fazendeiro, que nunca tivera escravos, sempre os tratara com carinho e pagava seus serviços. Minha avó era sua única filha mulher, ele possuía 12 filhos homens, todos adotados, inclusive 3 negros a quem tratava em pé de igualdade com os irmãos brancos. Foi sempre um ferrenho crítico da escravidão e muitas vezes ameaçado por sua intransigência. Quando a escravidão foi abolida, para ele não mudou nada e nenhum de seus empregados negros esboçou qualquer desejo de abandonar a fazenda. Minha ama de leite foi uma negra, chamada Lídia, descendente direta de um desses negros. Eu a amava como a minha própria mãe. Morreu quando eu tinha 12 anos e antes de morrer, pegou minha mão e disse,

- Você foi meu único filho. Eu sabia que minha avó havia se casado muito jovem, com apenas 14 anos, mas, nunca se falava sobre o assunto. Um dia estávamos sentados a frente do fogão a lenha e fazia muito frio. Ela havia feito bolinhos fritos, uma especialidade sua e que eu adorava. Fez um mate e tomávamos conversando sobre as loucuras de tal tio Osvaldo que aprontava poucas e boas. Comentei com ela o respeito e admiração que tinha pela vida que ela levava com meu avô que apesar do longo tempo que passava com eles nuca os vira brigar ou sequer reclamar um do outro. Para mim aquilo era o exemplo e sempre imaginava que um dia gostaria de ter um casamento assim. Uma felicidade completa e duradoura. Aí dentro de mim a curiosidade foi maior que a prudência e perguntei.

– Vó, como foi que você conheceu o Vô Arlindo? Ela encheu a cuia de mate e recostando-se mais na cadeira de balanço contou-me a história.

“ Eu tinha 13 anos quando conheci o teu avô, naquela época, você sabe, os casamentos eram decididos pelos pais e muitos desses casamentos eram prometidos no dia do nascimento da noiva. Eu nem ainda pensava em namoro, recém começava a largar as bonecas e me interessar por baton e essas coisas de moças. Meu pai me chamou um dia, pois havia visitas e ele queria me apresentar. Botei uma roupa bonita, um vestido que ganhei da tia Sobala e me apresentei na sala.

– Este é o Arlindo, filho do seu Manoel e seu futuro esposo. Foi assim,

- Prazer em conhece-lo, meu futuro esposo.

O casamento ficou combinado para dali a um ano. Eu fui depois pro meu quarto e passei o resto do dia chorando. Eu era ainda uma menina e não entendia como eles podiam decidir assim a vida da gente. Claro eu já sonhava com um moço bonito que eu me apaixonasse e casasse pra viver uma vida de sonhos e tudo isso ruía ali. Foi um ano de preparativos e não se falava noutra coisa, parecia que o meu casamento seria o maior prêmio da minha vida. Chegou o dia e nos casamos numa igreja toda enfeitada, muita gente, veio gente até de outros estados. Foi uma grande festa, teu bisavô o pai do Arlindo era claro, muito rico também. Eu apenas me deixava levar, sem saber como seria. Felizmente o teu avô era um bom homem, carinhoso, compreensivo e com o tempo comecei a gostar dele. E assim a vida foi passando, constituímos uma família e até hoje vivemos bem, não sei se é amor, eu não tive outro namorado e não sei se seria diferente. Sei apenas que a gente sempre se entendeu, nunca tive motivos para brigar e ele nunca me deu qualquer desgosto. Talvez seja apenas uma grande amizade, não sei.”

Naquela noite, como sempre fazia, veio ao meu quarto, ver se eu estava bem se não sentia frio e sentada a beira da minha cama rezava comigo. Depois apagou a luz e saiu.

Fiquei um bom tempo, pensando sobre o que ela havia me contado. Como as pessoas, podiam interferir desta maneira na vida dos filhos? No caso dela, deu certo, não sei se por uma interferência do destino ou por seu próprio conformismo por uma situação que não podia ou não sabia como mudar. E quando a coisa não funciona? Como uma pessoa poderia levar uma vida ao lado de outra a quem detesta? Eu ainda era muito jovem, mas este tipo de coisa me revoltava. Em que espécie de mundo me fizeram nascer? Minha avó era dessas pessoas que se sentem felizes com o que tem e não ficam o tempo todo buscando mais e mais. Sempre achei que o grande mal do homem foi ter inventado o dinheiro.Compra-se tudo, vende-se tudo, inclusive consciências como se fossem meros produtos mercantis. Somam-se fortunas, pouco ligando quantos tenham que pagar por isso. Minha ex. costumava dizer que eu não gostava de dinheiro, por isso não o tinha. Bem, se tivesse que fazer certas coisas para ter dinheiro, sempre preferi realmente ser o que sou, pobre, mas dormir toda noite com a consciência tranqüila. As fortunas deixadas por meus bisavós, claro foram divididas entre um monte de gente. Meu avô era apenas um entre os muitos irmãos e minha avó tinha igualmente 12 irmãos. Naturalmente venderam o patrimônio e cada um gastou sua parte do bolo. Meu avô mostrou-se péssimo administrador e sua parte acabou em pouco tempo. Morreu pobre e doente. Minha avó após sua morte, parecia ter também deixado de viver e apenas contemplava o tempo passando. Morreu pouco tempo depois.

Sobre a obra

Este texto é uma homenagem a memória de minha avó, que foi apresentada aos 13 anos a seu primeiro namorado, como seu noivo e com casamento já marcado. Pela bravura com que transformou a desdita em uma vida digna.

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 22/04/2010
Código do texto: T2212966
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