Póstumo Apócrifo

“Vem, agora rogo-te, amaldiçoa-me este povo, pois é mais poderoso do que eu. Talvez assim eu possa combatê-lo e expulsá-lo da terra? Pois sei que, a quem abençoares será abençoado e a quem tu amaldiçoares será amaldiçoado.”

Números 22-6

Dir-me-iam os amplos, que quem vive e aprende tem experiência e com ela o tempo de sua vivência. Ainda que fizesse durante anos a mesma cousa da mesma forma errada ou certa de nada lhe valeria a experiência, pois dela nada se absorveu e não obstante deseja exortar a tal vivência da vida. Extasiou-se no tempo e repetitivamente viveu, quando certo continuou certo invés de ir além de suas certezas e quando errado progrediu ao certo e nele imobilizou-se. A transição inclui o aprendizado e aquele que aprende não precisa de tempo ou ser vetusto para tal feito. Favoravelmente atribui-se ao tempo experiência de vida, a experiência ata-se a sabedoria de viver e a vida uma credibilidade de virtudes ostentadas pela força moral do tempo. O tempo trás experiência, contudo não o aprendizado. A vivência de forma articulada e sagaz torna-se aprendizado e quem aprende deste modo pode usar de astucia e perspicácia para obter o que se almeja.

As esquinas nebulosas e fechadas levavam-me as ruas enlaçando-se ao colégio. Em cada qual se avistava uma distinção de seres, uns que se embrenhavam, outros que saboreavam garrafas ocas, dando juízo ao apodo do local: “Orifício tépido”. Hepatologia e ética faltavam-lhes, e a moral não vivia.

Os homens à frente especulavam as moças de idade inferior entregavam-se a estes pela idade superior, deixando sua inocência na viela mais próxima talvez com o rapaz que tivesse mais pelugens na face e trocados nos bolsos de seus indumentos, financiados por seus velhos e ditos experientes pais ou padrastos, muitos educadores do colégio. Não elucubravam de que alguns em meio a eles foram gerados ali ou acolá, assim como seus filhos poderiam vir a ser. Prosápias contínuas.

Um ar de preponderância vinha de seus olhos, quem sabe pela ausência de pelos em meu rosto. Aos risos blasonavam os dois talvez três minutos que passavam satisfazendo-se nas passagens estreitas com as fêmeas, que ligeira e reservadamente discorriam às amigas narrando que já praticara a arte da carne com um experto rapazote pujante. Desde então, vividas e mais tarde puérperas ou deparariam serem infecundas, poupando os subseqüentes de suster a violação da carne, com um anel em seu dedo anular esquerdo, uma habitação de campo em seu nome, criando e educando seus filhos que viveriam durante anos e foram improvisados em instante ínfimos.

Os vigorosos articulavam delas como animais do sexo feminino, quiçá como os seus pais ponderavam de suas mães, antes destas fertilizarem-se, tornado-se suas respeitosas cônjuges de classe e família. O tálamo de viela passava a ser veludíneo. Outrora rameiras agora esposas exemplares.

O obsequioso porteiro bucólico dava a todos um bom dia de cortar a alma. Cantarolava uma melodia mais funesta que seu semblante fatigado. Falava pouco de sua vida e menos ainda como fora parar em uma casinha de tabiques ao fundo do colégio que velava durante dias e noites até o seu último dia ou a sua última noite. Sabíamos que a única felicidade da vida era degustar as frutas colhidas do pé de maçã que regava sempre quando possível ao lado de sua casinha. A árvore era uma lembrança viva de sua infância sofrida. Assemelhava-se com uma que seu pai plantara para os seus onze filhos poderem ter algo diferente para comer, afora o arroz e o feijão vindo do suor de servir um aristocrata que lhe pagava muito mal. Sonhava ver os filhos alegres e bens sucedidos em vida, até morrer de tanto trabalhar. Diziam os inumanos conhecedores desta história: “Tal pai, tal filho. Herança maldita”.

Nesta época ainda acreditava unicamente que os livros poderiam entender-me e por mais que falassem sempre a mesma cousa ausentando minha conjetura e proporcionando um conhecimento versado, não me magoariam e ensinar-me-iam sem sentir dor. Terna inocência que azedaria ao ler o primeiro realismo de humor negro; a dor nascera da indignação e se não sabem este é o ensejo, leiam, argúem e porventura entenderão. Finalmente descobri que a finalidade da vida é não ter sequer uma finalidade qualquer de viver.

De tudo sobrou-me a erudição, um alto senso de impugnação e sou-lhes muito grato do fundo de minhas sobras, pois do coração algum pedaço ainda devo ter, contudo uma alma, nunca tive.

O educandário de finalidade educacional e ética convertia-se em uma carência dos mesmos pelos seus próprios usufrui dores. Entres estes havia os que estudavam e entre todos; o primitivo amor hígido a torno da insanidade, todavia virginal a ponto de florescer e salientar-se.

A encosta de lábios evoluiu para as leves sucções até o osculo, adjacente ao toque da concisão dos dedos e o aprofundar da língua estonteante junto a saliva ardente. Perscrutando a pele, as margens, o colo, indo além, aos pontos lacônicos e amplos que levariam ao deleite contíguo, cedo ou tardo de ambas as preferências. Decorrera por um caminho longo antes de ser sublime em uma arte que é necessária a lógica e a desinibição enquanto os rapazotes fanfarreavam e jaziam em seus minutos libidinosos, deflorava por horas as moças que enrubescidas davam-se sem pedir nada em troca, apenas o silêncio. As amigas relatariam de uma mulher mais velha com um moço novo sem pelos na face e trocados nos bolsos. Mal sabiam que as amigas pediam-me o mesmo e de tudo desejava somente que meu amor jamais soubesse dos atos até o meu sazonar.

Afora a descrença de seus apogeus repentinos, as moças sempre tornavam a arrastar-me quando sozinho andando próximo a um beco escuro. Não as reconhecia pelo que via ou apalpava, a visão era incerta, a noite densa e era impossível enxergar entre a neblina. As distinguia pelos urros, cada qual era dona de um grito dessemelhante ao das outras; hora alto como um animal, hora fino como o vento. Servir-me-ia de ensino sobre como fartar uma mulher ignota, contudo como os mesmos orifícios perfumados, abrasadores e intensos.

Ladino e aos poucos um entendedor da satisfação carnal. As mulheres olhavam-me incontidas e sussurravam bom dia, enquanto os homens não entendiam devido qual motivo suas fêmeas não estavam mais a ir às vielas estreitas e inventavam sempre escusas para não fazer circunstantes apenas a presença, Agora eram estes considerados moços ingênuos sem tirocínio e inexperientes. Pobres ricos machos, seus trocos não mais lhes compravam as fêmeas, muito menos a experiência ou o aprendizado.

O tempo decorreu e o número de mulheres crescia velozmente, todavia ainda era possível reconhecê-las. Em uma noite como de costume uma mão vinda da sombra puxou-me para realizar-se, no entanto seus urros eram uma incógnita mesmo assim não fazendo-nos parar como a fornicação. Tornou-se isto freqüente. Os gritos desconhecidos aumentavam e estas que gritavam possuíam o corpo mais definido e curvo fora uma pratica que não me era familiar.

Empós alguns dias desvendara que estas vozes eram das mães das moças acostumadas a oferecer-se sob o luar e em questão de semanas provara dos frutos e das árvores, esquecendo dos que abluíam, aguavam e zelavam aqueles jardins do éden em que me envolvia sem saber. Aborrecendo os filhos anjos e os deuses pais.

Não havia mulheres que não me desejassem. As mães como amante para dar-se com prazer e saciação e ao esposo por uma obrigação para manter-me em lençóis de meu agrado, ou ainda como genro para degustar-me nos minutos vagos. As filhas como seu esposo, um objeto valioso e raro talvez o único existente em seu mundo falto de homens libidinosos e farto de machos imediatistas.

Apesar de tamanha contemplação mantinha-me firme em meu propósito. Todo o desvelo foi para saber como realizar a minha amada de forma holística e carinhosa. As mulheres idealizavam-me como homem, contudo não passavam de fêmeas, desde seu começo, meio e fim. Sentir-me totalmente preparado e decidido a abdicar-me da entrega sem sentido tanto para as mães quanto para as filhas, despertando a ira das frutas e das árvores acerbas e passadas. Empenhei-me de corpo e coração, poesias e poemas, proferindo o amor a todos e mostrando de todas as formas o que é realmente amar. Era um teorema e ambos se amavam tanto quanto poderiam.

Marcado meu casamento a admiração das fêmeas transformou-se em uma inveja abespinhada e espalhavam nos cantos que era eu o pai de seus filhos que nasceriam dentre alguns meses. Todavia eram muitas que estavam grávidas e os pais não sabiam como agir. Aceitar a desonra que um único rapaz trouxe a inúmeras famílias era uma infâmia e ainda criar vários filhos de um pai, somente Jesus o faria. Decidiram lavar a honra que suas filhas não tinham com o sangue do desleal que abusou de seus tesouros e sem que soubessem também de suas esposas, contudo de vontade mais delas que dele e indo além, abuso significa usar mal ou inconvenientemente, valer-se ou aproveita-se, ou seja, fiz o contrário superior a eles e fiz bem feito.

Infelizmente não estava presente no dia de meu matrimônio. A única virgem que conhecia estava a minha espera no altar de uma igreja com uma digníssima veste branca, cabelos loiros e seus olhos azuis era minha noiva, rememorava-me enquanto surravam-me brutalmente até a morte. Se a copa da vingança e a restauração da honra era meu sangue, então se dessedentaram até a ojeriza. De testemunho havia o porteiro que não me serviu de arauto, apenas me viu e eu vi a ele, nada além, não o culpo pelo emudecer. O porteiro era meu pai. Nasci como homem em uma viela e na mesma morri como tal pelos machos dominantes de um bando misoneísta, mormente anódino. Minha amada vive dos poucos momentos que tivemos e das muitas epístolas amorosas que escrevi e não é conhecedora de nenhum destes eventos. Vivi mais em meses que em dezesseis anos e mataram-me aos dezessete.

De tudo em meu desfecho o que muito me agrada é saber que os filhos viraram pais e irmãos, os pais tornaram-se avôs e pais e ambos criam e sustentam o que não são seus filhos, todavia seus herdeiros e meu sangue. “Tive filhos, transmiti a outras criaturas o legado de minha miséria.”.

Aos seres fúteis que viveram a minha orla e as fêmeas que me menosprezaram. A ambos que antes me qualificavam como moço inexperiente e ensinaram-me mesmo sem saber. Dedico-lhes de ódio o meu amor e estes vocábulos que talvez não abarquem.

Assinado: O autor

Diego Martins
Enviado por Diego Martins em 20/04/2010
Código do texto: T2207687
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