Desassossegado

O campo da incerteza me deixa inquieto. O ‘talvez’, o ‘e se...’ me consomem. Sou um desassossegado, convicto. Tímido, por vezes. Mas gosto da ação, do ímpeto, da certeza instantânea do agir certo. Mudar, lutar, transformar em poesia – e não descansar, mas conquistar!

Porém, as palavras me fascinam também, pelas possibilidades. Pelo dizer certo, pelo encanto, pelo canto, pelo recanto do verso que habita a pureza de uma canção. Palavras e sonhos andam junto e desconfio de quem não lhes confie apreço.

E penso agora no que não foi contemplado pelo agir. O que não aconteceu, não existiu, não ganhou vida, cores e harmonia com os passos do desejo. Aqui, as palavras darão o tom e o valor à minha intenção, à minha imaginação.

Depois à realidade retornarei. Agora me deixarei acreditar, imaginar o que poderia ter sido, fazendo uso do poder que as palavras têm de dar o tom de uma história que não se perde na descrição, mas na sensação que não se conta em linhas – e sim em sorrisos...

Uma hora depois. Pra ser mais exato, talvez uma hora e três minutos (para não parecer muito ansioso) ou mesmo cinqüenta e sete minutos (por ter ansiedade pela aparência).

- Pensei que não iria ligar!

- Quis manter o suspense! Pode falar agora?

- Sim, sim!

- Vou agora lhe fazer a pergunta e você irá me responder!

- Quero só ver... Cheguei em casa agora, tô cansada demais!

- Você tem cinco minutos pra conversar?

- Hum, tenho sim, fale...

- Então desça! Estou aqui fora!

E assim desligou o telefone e teve início outro momento. Ele nunca havia ido à sua casa, aprendeu o endereço com um amigo.

Decorou nervoso e saiu cansado, apressado, de um dia exaustivo, na certeza de um sorriso ou ao menos uma boa história. Se lhe perguntasse, sequer sabia o que faria, queria apenas sua atenção, sua curiosidade.

Quis lhe surpreender. Não agüentava seus desencontros, esperar, buscar com os olhos o que a atenção envolvia, por vezes, em pensamento.

Ainda não a conhecia de verdade, pouco conversaram, mas ele tinha o pressentimento.

Algo que lhe é raro, contudo, certeiro. Sabia que ela não podia passar em branco – e pretendia roubar seu sorriso e desenhá-lo em seus próprios lábios. Queria ser sua razão e sensação, o abismo entre o pensar e o sentir: ser seu perfume num rastro de bem-querer e bem-me-quer.

Acreditou que a surpreenderia e, com as mãos suadas, apreensivo, se deu conta de que não havia por quê estar ali, apenas estava e queria estar. O que trouxe consigo? A certeza das pequenas coisas...

Ela não pode ser mais uma garota! Sabia de suas músicas, de sua risada, de seu potencial e sua identidade.

Uma vez saíram juntos e, neste dia, lhe comprou um chocolate, tal qual carregou consigo esta noite em seu bolso esquerdo: a “certeza” do por quê estar ali.

Descobriu que era um boboca! Andou meia cidade para entregar um chocolate qualquer!

Mas é tão pequeno e tão comum que podia se tornar especial, ser a pequena-grande coisa. Sua força não é bruta, sua intenção é sincera – e ele acredita.

Ela desceu. Gosto de seu andar, é despretensioso: como quem não quer nada traz exatamente meu querer. Talvez não precisasse pensar demais.

Pensava na oratória, na dialética, no encanto do tabuleiro de xadrez e em conhecer a hora certa do roque, do xeque e de pôr ponto final aos jogos.

Mas a vida não é um jogo, ‘a vida é pra valer, a vida é pra levar’. E, mesmo que fosse, ali estava um tabuleiro novo. Não sei quais são as regras, as cartas na manga, os trunfos e os triunfos.

Olhando para ela, soube que as cartas que descem lentamente à mesa trazem e traem dois vencedores. Cada carta a menos na mão revela mais os sorrisos escondidos por trás de intenções.

E sorri. A abracei, segurei sua mão e disse que queria lhe surpreender. Não aceito o hiato, esperar oportunidades. Nunca se tratou de onde ou quando, mas sim do que poderia fazer para estar ali.

Estava frente a ela e cinco minutos são preciosos. Propus que escolhesse uma mão e desejou a esquerda, a do chocolate.

Ela sorri sem jeito, abobalhada. Não esperava que lembrasse ou que pensasse nessas coisas. Se ela saiu de um livro e a coloquei em um conto, posso ser um anti-herói de filme lado B.

A outra mão estava vazia. Trouxe comigo apenas duas coisas: o chocolate e o sorriso, eis o que melhor posso ofertar.

E agora as coisas parecem ter rumo certo. Só que... pensar no que não vai se concretizar dói.

Termina aqui o que não teve início. Pensado, intentado, planejado e sentido, mas surreal. Não deu pé – e ela não lhe deu a mão.

O que aconteceu? Ela não atendeu a chamada. Nem a outra e nem a ligação que sucedeu a outra. Ele esperou.

Talvez não soubesse responder, tivesse receio da pergunta ou apenas não queria. Cansei de ‘e se...’ ou ‘talvez...’!

Fico inquieto, o campo da incerteza não me seduz, nem me traduz. Se diz, não condiz, meu caro. Desassossegado, aguardei.

O agir, o mudar, o conquistar, o transformar em poesia... não depende apenas de mim. Ligo o carro devagar, ouço a música sobre os dragões e os moinhos de vento, baixo os vidros sem pressa.

Olho pelo retrovisor, fecho os olhos e me calo. Silêncio, por fim.

E volto à minha casa. Um incômodo toma o peito. Ela não calou minha insegurança.

Tranquei o portão, fechei as janelas, apaguei as luzes e me deitei. Desassossegado, meu coração não é cais, é caos.

Ah, o que realmente aconteceu?

Se vale mesmo ser dito, foi isto:

- Alô? Tá ocupada, pode falar?

- Tô em aula, mas diga!

- Daqui a uma hora ligarei novamente e lhe farei uma pergunta, você terá que respondê-la!

- Faça agora, senão vou ficar curiosa a aula toda, não vou me concentrar tentando saber o que é!

- Não, daqui a uma hora te ligo novamente! Até mais!

Lucas Sidrim
Enviado por Lucas Sidrim em 18/04/2010
Reeditado em 18/04/2010
Código do texto: T2205434